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- JANUS 2009 -



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Dar es Salaam: porto de paz

Deborah Fahy Bryceson *

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Com mais de três milhões de habitantes, Dar es Salaam espraia-se ao longo de uma área extensa do continente ao Oceano Índico. À excepção do magnífico porto natural e das praias de areia branca, Dar es Salaam parece-se com qualquer metróple africana, cuja população se agita numa azáfama constante pela sobrevivência. Embora não se possa vangloriar de uma herança arquitectónica ou histórica, a cidade tem uma vantagem sobre outras capitais do leste africano. Dar es Salaam tem-se mantido fiel ao seu nome, «porto de paz», pois não foi palco de violência política ou étnica como outras capitais durante o período pós-colonial (1). Esta paz contrasta com o elevado número de mortes em Kampala, no Uganda, na década de setenta, sob o governo de Idi Amin, com o genocídio em Kigali, no Ruanda, no início da década de noventa, e com a guerra entre clãs em Mogadíscio, de que resultaram inúmeras mortes e mutilações desde o seu início em 1991. A capital etíope, Addis Ababa, e a capital do Quénia, Nairobi, também foram, ao longo dos anos, palcos de violentos conflitos políticos durante protestos civis.

E como tem Dar es Salaam mantido esse clima de paz? Um factor essencial é a herança dos seus antepassados de origem swahili. Ao longo dos séculos, desenvolveu-se uma cultura crioula baseada no comércio e em casamentos interaciais entre africanos e alguns árabes. Assim, Dar es Salaam é uma cidade relativamente nova, fundada e planeada por volta de 1860 pelo sultão Majid de Zanzíbar. Este decidiu que a rota de exportação de marfim e o comércio de escravos do seu império passariam por Dar es Salaam, o que provocou um fluxo de emigração para a cidade. Aos agricultures Zaramo e aos comerciantes Shomvi juntaram-se donos de plantações de etnia árabe Omani e um crescente número de mercadores de origem asática e árabe.

A alteração da rota para o continente deveu-se à preocupação do sultão Majid com o escalar da rivalidade entre a Grã-Bretanha, a França e a Alemanha em relação à Africa Oriental, o que colocava em perigo o seu domínio sobre a costa oriental (Sheriff 1987). Embora tivesse morrido antes dos seus planos de construção estarem concluí-dos, as previsões de Majid concretizaram-se. Em 1886, um acordo anglo-germano impôs limites aos poderes do seu sucessor, nomeadamente o direito que o sultão Barghash tinha sobre uma faixa costeira de dezasseis quilómetros a partir do continente, e permitiu aos alemães cobrar taxas alfandegárias em Dar es Salaam. No ano seguinte, os alemães ocuparam a cidade e exigiram o direito de cobrar taxas em toda a costa. Pouco tempo depois, deu-se a rebelião Bushiri, também conhecida como a revolta árabe, que resultou de uma coligação dirigida por Abushiri e Bwana Heri, em representação da elite latifundiária de origem swahili. A rebelião não foi muito sentida em Dar es Salaam, o que levou à escolha da cidade para sede da Companhia da África Oriental Alemã, em 1891. Nos trinta anos seguintes, o domínio alemão representou um desafio à sobrevivência da cultura crioula swahili.

Em Dar es Salaam e nas zonas circundantes, a população era multiracial: agricultores Zaramo e comerciantes Shomvi partilhavam inúmeras semelhanças, pois muitas crianças eram fruto de relações entre mulheres Zaramo e comerciantes Shomvi. Esta miscigenação também resultava de casamentos entre os Zaramo e os escravos que vinham trabalhar para os seus campos. Estes factores contribuí-ram para que os Zaramo não tivessem uma identidade social coesa enquanto tribo.

Embora as bases económicas da sociedade swahili do século XIX fossem o comércio de escravos e o trabalho nas plantações, as diferenças sociais eram atenuadas pelos casamentos inter-raciais. A classe dominante era constituída por comerciantes que reclamavam superioridade com base na sua origem persa ou árabe. No entanto, a demarcação entre a classe dominante e a classe dominada não era definida com base na origem, africana ou árabe, até mesmo porque o número de colonos vindos da península árabe ao longo dos séculos era diminuto e ainda, porque estes frequentemente casavam com locais. A posição social de uma escrava alterava-se se esta tivesse um filho do dono e, aquando da sua morte, os dois, mãe e filho, poderiam obter a liberdade.

Os alemães emanciparam os escravos mas não encaravam com agrado a miscigenação, pelo que Dar es Salaam estava dividida em zonas com diferentes infraestruturas e condições de habitação: a zona europeia, a asiática e a africana. A política colonial britânica, a partir de 1919, baseava-se também num sistema racial tripartido e na administração indirecta dos chefes tribais. A população índigena de Dar es Salaam, os «crioulizados» Zaramo-Shomvi, representavam uma dificuldade pois não eram considerados «uma verdadeira tribo», em termos de organização, liderança e posse de terra, e a destribalização era encarada como uma via para a degradação moral e para o crime (Burton 2005).

No período entre as duas guerras mundiais, nas décadas de 1920 e 1930, aumentou o fluxo de emigrantes wabara vindos do norte. A maioria eram cristãos com acesso à educação missionária o que os favorecia aos olhos do governo colonial e lhes dava vantagem no mercado de trabalho. Na economia em expansão de Dar es Salaam, os swahili representavam o escalão mais baixo da força de trabalho, ocupando-se como tarefeiros no porto, na construção e no serviço doméstico. Embora fossem os primeiros habitantes da cidade, os swahili gradualmente perderam o domínio demográfico e económico, o que se tornou particularmente evidente nos anos 50 do século XX quando irrompeu o fervor nacionalista e a febre da urbanização.

Contudo, poderemos argumentar que a população da costa da Tanzânia de origem swahili desempenhou um papel crucial em termos políticos, pela sua influência na política nacionalista tanzaniana na década de 1950. Julius Nyerere, que liderou o movimento nacionalista, foi o primeiro presidente da Tanzânia e viveu em Dar es Salaam. Era a favor de uma língua única como elemento unificador num país com mais de 100 tribos. Kiswahili foi a língua adoptada pela politica nacionalista. Além disso, Nyerere, altamente consciente do divisionismo causado pelo chauvinismo étnico, tentou eliminar o tribalismo da política nacional. Em 1960, o partido de Nyerere, a União Nacional Africana do Tanganyika (TANU) anunciou que o poder político dos chefes tribais seria retirado, tanto a nível local como nacional. As associações étnicas e voluntárias dissolveram-se rapidamente e foram substituídas por uma mobilização partidária a nível local liderada por elementos da TANU.

Actualmente, a população de origem swahili de Dar es Salaam, particularmente a população de ascendência Zaramo, Shomvi e Árabe, quase passa despercebida numa área metropolitana em que representa apenas uma pequena percentagem da população total. Etnicamente, não são uma força política ou económica de relevo, quer no seio da cidade quer da nação. No entanto, e em virtude de serem os «habitantes originais» da cidade, o seu papel foi fulcral no processo de urbanização, tanto em termos de mão-de-obra como de disponibilização de terrenos para construção.

Os movimentos migratórios dos Zaramo, de e para a cidade e de e para as zonas rurais de Uzaramo, assim como a ocupação destas áreas pela cidade, não têm sido um processo economicamente compensador para esta população, cujo apogeu coincide com o império comercial Omani, no século XIX. Mas o seu crioulo cosmopolita, ao contrário do seu legado cultural como tribo, constitui um contributo inestimável para a sociedade urbana de Dar es Salaam e para a estabilidade política da Tanzânia.

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1 - A excepção ocorreu em Janeiro de 1964, uns dias após a independência e durante uma tentativa de revolta militar. Dois civis foram mortos durante o saque a lojas de árabes e indianos por multidões que se aproveitaram do vazio temporário de poder governamental (Luanda, 1993).

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* Deborah Fahy Bryceson

Mestre em Geografia na Universidade de Dar es Salaam. Doutorada em Sociologia na Universidade de Oxford. Investigadora Associada no African Studies Centre da Oxford University, Reino Unido.

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Referências bibliográficas

LUANDA, N. (1993) – «The Playout of the Mutiny, 19 to 21 January 1964». In Tanzania People's Defence Forces (ed), Tanganyika Rifles Mutiny January 1964 , Dar es Salaam, Dar es Salaam University Press.

SHERIFF, A. (1987) – Slaves, Spices and Ivory in Zanzibar. London, James Currey Limited.

VINCENT, J. (1970) – «The Dar es Salaam Townsman: Social and Political Aspects of City Life». Tanzania Notes and Records 71, 149-156.

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