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A dificuldade em encontrar uma resposta, porém, pode estar na insistência em fazermos a pergunta. Se passearmos durante um dia por qualquer bairro da cidade, parece imediato: sim, as dezenas de nacionalidades, raças e religiões encontram-se fundidas no grande «caldeirão» nova-iorquino. A East Village , onde morei durante dois anos, confirma empiricamente o que sabemos das estatísticas – dos oito milhões de residentes na cidade, três milhões são estrangeiros e todos parecem estar ali, a caminhar à minha volta. Saio de casa e cumprimento Alex, um russo de meia-idade culto e viajado; cruzo-me nas escadas com Henrik, um jovem ilustrador alemão, e ainda vejo John lá em baixo, o nosso porteiro-canalizador irlandês que gostaria de ter sido escritor. E começa a rotina da manhã: lavandaria (de chineses), jornais no quiosque (de paquistaneses), queijo (no gourmet italiano), bagles na padaria (polaca), bolo (na pastelaria russa) e sushi sashimi no japonês. Não terei tido mais de três vizinhos americanos em cada prédio onde vivi entre 1995 e 2000, os anos do último grande boom de imigração estrangeira para a cidade. Só à volta da minha casa na Tenth Street haveria negócios de metade dos países do mundo, incluindo um bar marroquino, um café israelita e um restaurante afegão.
Os novos nova-iorquinos Nova Iorque, claro, é um caso à parte. Quase 40% da população da cidade é estrangeira, e só nos últimos dez anos os estrangeiros aumentaram de 2,1 para quase 3 milhões. O pico foi no início do século, mas nessa altura havia menos pessoas e mais homogeneidade. Hoje, a imigração é fragmentada como nunca – há bairros onde vivem pessoas de quase todos os Estados-membros da ONU – e não há um continente hegemónico, o que é uma mudança radical em relação a 1970, quando dois terços dos estrangeiros em Nova Iorque eram europeus. Hoje há quatro grandes grupos: latino-americanos (32%), asiáticos (24%), caribenhos não-hispânicos (21%) e europeus (19,4%). Onde chegamos com estes números? Não muito longe se quisermos responder à clássica questão do melting pot. Passear em Nova Iorque durante um dia impressiona, é verdade, mas também engana. Vemos que os nachos são um snack popular, que se dança salsa e que há aulas no ensino público para ensinar inglês a mães estrangeiras. Num país racialmente diversificado desde a chegada dos primeiros colonos – que em 1607 se instalaram na Virgínia com 20 africanos –, não faltam sinais dessa diversidade cultural. «Ok» tem origem na palavra dos índios choctaw «oke», que significa «é isso»; o jazz e o rock nasceram da música africana e o clássico «God Bless America» foi escrito por um imigrante russo judeu chamado Israel Baline (sim, Irving Berlin). A fusão é um sucesso, dir-se-á, a promessa de transformar todos em «americanos» foi cumprida. Pura precipitação. As novas perguntas Mal descemos à primeiríssima camada do tecido social de Nova Iorque descobrimos que há quem proteste contra o gasto público na educação bilingue; observamos que as igrejas continuam a ser, como criticava Luther King, dos locais mais segregados das cidades; e que as universidades têm várias associações de estudantes para os mesmos cursos – organizadas por raças. Se o melt significa «derreter» as diferenças como um sólido que se desfaz e desaparece, mais do que utópico, o objectivo é absurdo. Se, pelo contrário, «melting pot» é um lugar onde há uma amálgama racial e onde a assimilação cultural e social «está a ocorrer», na prosaica definição dos dicionários, então ele é real. Lento, mas real. Não é Barack Obama, filho de mãe branca americana e pai negro do Quénia, o mais impressionante candidato à Casa Branca em gerações? E, no entanto, há 40 anos, era Obama uma criança, os negros não podiam sentar-se à mesa nos restaurantes, só ao balcão. Não é John Kennedy, bisneto de operários da Irlanda, o mais mítico presidente da história americana? E, no entanto, 60 anos antes da sua eleição, os imigrantes irlandeses em Nova Iorque eram considerados «selvagens», desonestos e incapazes, e as irlandesas, que em 1900 serviam como criadas quase toda a cidade, eram as últimas noivas com quem uma família de classe média quereria casar o filho. Amar uma Kelly ou uma O'Brien era escândalo garantido. Não alertou Benjamin Franklin, um dos autores da pioneira e poética Constituição americana, contra a ameaça dos imigrantes alemães que viviam na Pensilvânia em 1750? Hoje há 43 milhões de americanos de origem alemã e não se ouve falar deles. Perguntar se há melting pot em Nova Iorque já não é uma coisa do nosso tempo. Ele existe como em Londres (na Europa, chamamos-lhe «multiculturalismo»), mas Londres não seduz com a voracidade de Nova Iorque. A utopia e a poesia do novo mundo, que criou um novo país e um novo homem – o americano – transcende todos os esforços de aproximação. Melting pot é uma construção optimista e triunfalista da América e Nova Iorque é a cidade que melhor traduz isso. «If I can make it there, I'll make it anywhere», diz a canção («It's up to you, New York, New York», como se fosse a cidade, e não nós, a decidir da nossa sorte). Hoje é preciso colocar novas interrogações. O futuro vai ser uma sociedade mais fracturada em micro-comunidades sem ligação entre si ou, pelo contrário, vai ser mais aberta e pluralista? Que nova identidade vai sair da actual «balcanização demográfica»? Em 2050, o que significará ser americano? Precisamos das respostas. Para estarmos prontos.* Bárbara Reis Jornalista do PÚBLICO desde 1990, onde actualmente é directora-executiva. Foi correspondente em Nova Iorque durante cinco anos. Trabalhou na missão das Nações Unidas de reconstrução de Timor Leste entre 2000 e 2003 e regressou a Portugal para editar a secção de Cultura do Público. Referências bibliográficas LOBO, Arun Peter e Salvo, Joseph J. – “The Newest New Yorkers 2000 – Immigrant New York in the New Millennium”. Divisão de População do Departamento de Planeamento Urbano de Nova Iorque. ELLIS, Edward Robb – “The Epic of New York City – A Narrative History”. Old Town Books, 1966. McGRATH, Patrick – “Nova Iorque, Cidade Fantasma”. Edições Asa, 2007. BOOTH, William – “One Nation, Indivisible: Is It History?”. Série “The Myth of the Melting Pot: America's Racial and Ethnic Divides”. In Washington Post, 22 de Fevereiro de 1998. TAKAKI, Ronald – “A Different Mirror – A History of Multicultural America”. Little, Brown, 1993.
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