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A “Opção Europeia”

Teresa de Sousa*

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Desde que, em 1977, Portugal rompeu definitivamente com a "vocação africana" e rejeitou uma breve tentação terceiro-mundista, fazendo da "opção europeia" o vector fundamental da sua reinserção internacional, tem prevalecido um sólido consenso quanto à orientação da política externa e de segurança do país.

Apesar de algumas ambiguidades — e até de uma pequena deriva no fim da década de 70, com os governos de iniciativa presidencial — não é possível detectar diferenças significativas nem nos programas de Governo nem nas práticas governativas do PS e do PSD, sozinhos ou coligados, no que toca à orientação da política externa, quer no seu vector europeu quer nas suas restantes componentes. Até 1992, o próprio CDS — que fez parte, como parceiro minoritário, de alguns governos constitucionais — se incluía neste consenso alargado.

A solidez da "opção europeia" de Portugal explica-se pelas próprias circunstâncias em que é feita e pelos objectivos que prossegue desde o início. Quando, em 1976, Mário Soares chega ao governo, depois de um período revolucionário conturbado, a "opção europeia" significa que Portugal escolhe como modelo as democracias demo-liberais do Ocidente e que é no espaço da Europa Ocidental que quer reencontrar o seu destino histórico.

O pedido de adesão à Comunidade Europeia, formalizado em Março de 1977, representa não só a confirmação desta escolha como tem por objectivo expresso a consolidação e a irreversibilidade do regime democrático. A nova percepção do lugar de Portugal no mundo foi expressa pelo ministro dos Estrangeiros do I Governo Constitucional, José Medeiros Ferreira, logo que tomou posse: "A defesa das nossas fronteiras começa na fronteira da Alemanha Ocidental e o Pacto do Atlântico garante a nossa segurança (...). O Governo agora em funções acredita que deve tomar a opção europeia." Ou como escreve Nuno Severiano Teixeira: "Sem alterar a sua condição atlântica, Portugal alterou o seu lugar no mundo e o seu destino na história: de África para a Europa".

Em 1976, Portugal adere ao Conselho da Europa. Em 1986, entra como membro de pleno direito na Comunidade Europeia. Em 1988 torna-se membro da UEO. A sua pertença à NATO nunca chega a ser posta em causa, mesmo nos anos conturbados da revolução. Hoje, a integração europeia é o factor estruturante das suas opções externas e das suas políticas internas. Ao ratificar Maastricht — o novo Tratado da União Europeia, adoptado no Conselho Europeu de Dezembro de 1991 —, Portugal aceitou participar numa comunidade que passou a ter também uma nova dimensão política.

 

A longa aprendizagem

O grande desafio para a política externa portuguesa foi a adaptação das percepções e dos comportamentos tradicionais à necessidade de agir dentro dos dois principais sistemas institucionais a que o país pertence — a União Europeia e a NATO —, aprendendo a concertar os interesses nacionais com os dos nossos parceiros e aliados nessas instituições.

Este processo de adaptação foi tanto mais difícil quanto o peso da antiga "cultura geopolítica" continuou a ter grande influência quer ao nível dos decisores políticos, diplomáticos e militares, quer ao nível do debate público. Alimentada pela "experiência histórica distinta" do país, esta "cultura" assentava em três constantes fundamentais da geografia: a identidade atlântica de Portugal como condição da sua independência; a percepção de que a ameaça à segurança nacional está nas potências continentais; a aliança natural com a potência marítima. Nesta linha, a concepção de que Portugal devia a sua existência aos "territórios" africanos vai continuar a manifestar-se, através da tentativa recorrente de contrapor a "opção africana" à "opção europeia" do país.

Por outro lado, a concepção de que a aliança privilegiada com a potência marítima (a Grã-Bretanha deu lugar aos Estados Unidos depois da II Guerra Mundial) era uma constante da segurança nacional relativamente à "ameaça" continental pesou na evolução da política externa portuguesa pós-revolução e veio a favorecer, na expressão de Álvaro de Vasconcelos, um "atlantismo ideológico" então assumido pelos sectores democráticos e pró-ocidentais portugueses. A cooperação bilateral com os EUA — uma espécie de "special relationship" de segunda — foi também vista nos anos 70 e 80 como o melhor meio de permitir a Portugal adquirir alguma capacidade militar e valorizar estrategicamente o seu território relativamente a Espanha, nomeadamente quando a entrada do nosso vizinho na estrutura militar da NATO veio pôr em causa o comando Cinciberlant.

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Os termos em que foi assinado o acordo das Lajes de 1983 correspondem ainda àquela percepção e obedecem a um modelo de assistência económico e militar próximo dos países do Terceiro Mundo. O mito do "aliado fiel" vai ser posto em causa pelos acontecimentos de 1989 e pelo fim da guerra fria. Paralelamente, a pertença à UE e a nova dimensão política da integração europeia contribuem decisivamente para essa revisão.

A renegociação do acordo das Lajes em 1991 é já feita numa outra perspectiva: a assistência económica e militar dá lugar à cooperação tecnológica e científica numa base mais equilibrada — afinal reflexo da plena realização de Portugal como país membro da União. O último dos mitos a tombar no pensamento estratégico português será precisamente o receio da Espanha (ver artigo De Lisboa a Madrid via Bruxelas).

Hoje ainda — e muito embora já não esteja em causa a antiga dicotomia — a ideia de uma "relação especial" com os países africanos de língua portuguesa continua a ser uma componente com muito peso na formulação da política externa portuguesa. A tradução mais viva deste objectivo foi o continuado esforço para institucionalizar esta relação especial através de uma Comunidade Lusófona — concretizada na criação da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), em Julho de 1996.

Mas, com o tempo, a componente africana da política externa passou a ser fundamentalmente encarada como uma forma de valorização da posição de Portugal no quadro da UE — um dos seus trunfos maiores nas relações externas da União e da sua projecção no mundo. O envolvimento directo de Portugal nos processos de democratização e de paz de Angola e de Moçambique é disso exemplo. Portugal continua a apostar no desenvolvimento das relações bilaterais com os países de língua portuguesa (como, de resto, o fazem a França ou a Grã-Bretanha) em detrimento de uma política europeia para África.

É também com o seu regresso à Europa que Portugal, país de "vocação atlântica", passa a interessar-se pelo Magrebe e pelo Mediterrâneo e a querer desempenhar um papel na política europeia para a região. Em 1992, na sua primeira presidência semestral da Comunidade, Lisboa apresenta-se já com vocação para participar activamente na política europeia para o Magrebe e Mediterrâneo, ao lado da Espanha, da França e da Itália. A estabilidade da região passa a ser defendida como uma prioridade da política externa da União de importância equivalente à estabilidade no Leste e no Centro da Europa.

E também no quadro da integração europeia que o relacionamento com o Brasil vai sofrer uma apreciável evolução qualitativa. De velha relação assente na História e na cultura, mas essencialmente retórica e saudosista, ela vai tentar transformar-se numa relação baseada no interesse mútuo entre o maior país da América Latina e um país membro da UE — que passa a ser encarado por Brasília como uma ponte para a Europa.

Portugal junta-se também a Espanha para levar os Doze a encarar as relações com a região de forma mais activa. Mas, ao contrário de Madrid, cuja enorme influência na América Latina a leva a privilegiar as relações bilaterais, Lisboa insiste numa política multilateral e, sobretudo, na cooperação com os blocos sub-regionais que começam a tomar forma na América Latina. É durante a presidência portuguesa de 1992 que se inicia um processo de contactos formais com o Mercosul que leva à assinatura de um acordo inter-institucional entre as duas organizações.

O fim da guerra fria e o Tratado de Maastricht vêm elevar o nível de exigência do desafio europeu. Pouco habituado a agir e a mover-se em instituições internacionais pelo efeito de décadas de isolacionismo, Portugal vai adaptar-se com dificuldade aos novos hábitos que a sua pertença à UE e à UEO e a sua nova inserção internacional lhe exigem.

A UE, enquanto partilha de soberania para a defesa de interesses comuns e enquanto "fonte de poder" nacional, apenas progressivamente vai ser compreendida e utilizada. O salto de Maastricht já não permite a visão economicista da nossa integração na Europa. O embrião da PESC vem de novo pôr à prova a diplomacia portuguesa. O exercício prático da presidência da Comunidade em 1992 vai constituir, por isso, um novo "salto em frente" na política europeia de Lisboa. É a partir daí que Portugal sente a necessidade de exercer mais iniciativa política e diplomática no quadro das instituições de que faz parte, aprendendo a tirar partido do acréscimo de poder que essa pertença lhe confere.

É, todavia, uma evolução difícil. Depois da teimosia das autoridades portuguesas em assumir uma posição de quase "não beligerância" na crise do Golfo, é ainda com relutância e de forma insignificante que Portugal participa no esforço das Nações Unidas no conflito da ex-Jugoslávia. Será apenas com o actual governo socialista, que a "segunda ruptura" é consumada — mais uma vez de forma quase pacífica e consensual. A decisão de enviar um contingente militar significativo para a Bósnia, integrando as forças da NATO, marca essa nova "ruptura".

"Temos, diz António Vitorino, pela primeira vez desde 1918 cerca de novecentos e trinta homens e mulheres envolvidos no terreno europeu. (...) Trata-se, de facto, de uma ruptura com uma tradição cultural que nunca está completamente explicada e debatida". E o ministro da Defesa vai mais longe: "De certa maneira, completou-se na Bósnia o ciclo de restituição política de Portugal ao espaço europeu".

 

O teste de Timor

Timor é uma constante na agenda externa de Lisboa. Portugal nunca aceitou a anexação de Timor-Leste pela Indonésia e viu a sua decisão apoiada pelas Nações Unidas, através de numerosas resoluções onde se consagra o direito do povo timorense à autodeterminação e independência.

Todavia, de 1975 a 1982, as sucessivas resoluções adoptadas pela ONU colhem cada vez menos votos favoráveis. A grande maioria dos membros da CE marca presença pela sistemática abstenção. Só a partir da adesão à Comunidade, em 1986, Lisboa vai conseguir quebrar o cada vez maior isolamento internacional relativamente ao seu compromisso com a autodeterminação de Timor-Leste, inscrevendo a questão na agenda da Cooperação Política Europeia (CPE) e forçando progressivamente os seus parceiros europeus a condenar o regime de Jacarta. São precisas 200 mortes, nos incidentes de Novembro de 1991 em Díli, para que os Doze se unam na condenação de Jacarta, permitindo a Lisboa valorizar cada vez mais a questão dos direitos humanos e conseguir muito maior visibilidade para a questão a nível europeu e internacional.

A tarefa de Lisboa não foi fácil. Foi, e é, preciso vencer fortes interesses económicos de alguns Estados membros (a Holanda, antiga potência colonial, mas também a Alemanha, a Grã-Bretanha ou a Espanha). Mesmo assim, nas negociações do acordo de terceira geração com a ASEAN, Portugal pôs como condição para votar o mandato negocial atribuído à Comissão o compromisso da Indonésia em respeitar os direitos humanos em Timor.

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* Teresa de Sousa

Jornalista do PÚBLICO.

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