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Janus 2004



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Portugal e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

Maria Eduarda Gonçalves *

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A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), assinada em Montego Bay, em 1982, substituiu ao direito tradicional assente no princípio da liberdade dos mares um regime fundado numa divisão do espaço oceânico. A CNUDM consagrou, por um lado, a existência de zonas de jurisdição nacional: o mar territorial de 12 milhas, a zona contígua de 24 milhas, a plataforma continental e a zona económica exclusiva de 200 milhas. Definiu, por outro lado, espaços internacionais: o alto mar, onde continua a prevalecer a liberdade de navegação, e a "Área" internacional dos fundos marinhos, cujos recursos foram definidos como "património comum da humanidade" e se destinam a ser geridos por uma autoridade internacional própria.

Negociada sob o signo do consenso e do compromisso entre interesses nacionais contrastantes — de potências marítimas e Estados costeiros, países do Norte e do Sul, costeiros e sem litoral, produtores e importadores de matérias-primas —, a CNUDM afirmou-se como uma "revolução pacífica" na distribuição do poder entre os Estados sobre os mares e oceanos. Ela implicou, do mesmo passo, uma partilha de responsabilidades pela sua gestão e conservação.

Para um país como Portugal, o novo regime traduziu-se num reforço dos direitos e poderes sobre as zonas costeiras — abrindo novas oportunidades de exploração e utilização do mar, assim como de valorização do meio marinho. Mas veio reduzir ao mesmo tempo as oportunidades de acesso a zonas e recursos distantes, outrora livres. Em consequência do novo regime, as fronteiras do "mar português" aproximaram-se, por assim dizer, da costa. Portugal assumiu a sua qualidade de Estado costeiro no pleno sentido que esta expressão adquiriu durante a CNUDM.

O facto de só em Outubro de 1997 ter ratificado a Convenção não impediu Portugal de aplicar no plano interno princípios e regras básicas do novo regime, mesmo antes da sua aprovação formal. Considerações de realismo político conduziram, por exemplo, o governo português a aceitar, em meados de 70 — decorriam ainda as negociações nas Nações Unidas — as tendências reformistas impulsionadas pelos países afro-asiáticos e da América Latina tendo em vista o alargamento das zonas de soberania e jurisdição nacionais. Esta modificação de atitude é tanto mais significativa quanto a política marítima portuguesa fora marcada durante séculos pelo interesse na defesa das liberdades de navegação e da pesca. Portugal foi um dos primeiros países europeus a aderir ao novo regime ao publicar a Lei n° 33/77, de 28 de Maio, que estendeu os limites do mar territorial e instituiu a ZEE.

A meio caminho entre o mar territorial e o alto mar, a ZEE define-se como um espaço de soberania funcional para fins de pesca e exploração de outros recursos económicos. Ela representa, em contrapartida, um reforço da responsabilidade estatal na protecção e salvaguarda do meio marinho e no desenvolvimento da investigação científica necessária, em particular, à fundamentação das medidas de gestão. Mas respeitará a legislação portuguesa o equilíbrio em que se funda o regime da ZEE?

Em consonância com o espírito da CNUDM, a nossa legislação está permeada de referências ao "exercício racional e conveniente das actividades de pesca", à "protecção, conservação e regeneração de todos os recursos vivos da zona", ao "dever de cooperar" com as organizações internacionais competentes. Propõe mesmo uma "política dos recursos vivos", baseada nos "resultados e recomendações da investigação científica" (DL n° 52/85, de 1 de Março). Também as considerações ecológicas ocupam um lugar privilegiado no regime interno da ZEE: a legislação admite, por exemplo, que as capturas sejam limitadas "mesmo em face de dados científicos insuficientes". O novo direito do mar exprimiu-se, para além disso, numa clarificação e reforço das competências e poderes dos Estados costeiros em matéria de protecção do meio marinho e de investigação científica.

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A CNUDM estipula uma série de obrigações dos Estados, quer gerais quer específicas para diversos tipos de poluição marinha. Estabelece ainda o dever de cooperação entre os Estados, nos planos mundial e regional, para a formulação de normas, bem como de práticas e procedimentos para o mesmo fim. De um modo geral, o Estado português tem vindo a conformar a sua prática àquelas disposições, quer no plano interno quer externo, tendo ratificado e aderido a múltiplas convenções internacionais relativas à poluição causada pelos navios, pelos hidrocarbonetos, pela imersão de efluentes e outros produtos, de origem telúrica, etc. O mesmo se pode dizer em matéria de investigação científica marinha: na linha das orientações da CNUDM a legislação portuguesa procura conciliar o princípio da subordinação das actividades de navios oceanográficos estrangeiros ao consentimento prévio do Estado costeiro com a garantia da possibilidade de participação de investigadores locais e de acesso destes aos resultados dos projectos de investigação.

A reforma do direito internacional do mar coincidiu no tempo com o processo de adesão de Portugal à Comunidade Europeia, a qual dispõe de competências próprias no âmbito da política comum de pescas para a gestão e a conservação dos recursos vivos marinhos, quer no plano da "zona comunitária" de 200 milhas, quer no das relações externas. A UE prepara, neste momento, a sua adesão à CNUDM. Existe, como consequência, um risco: o de o Estado português se desresponsabilizar do exercício de competências e poderes que o direito do mar lhe veio reconhecer. Contrariar essa eventual propensão passa necessariamente por um esforço nacional consistente de pesquisa e exploração dos recursos e ambiente das zonas costeiras, assim como pela implantação de mecanismos institucionais que permitam a formulação de uma política e de posições próprias do Estado português nas instâncias comunitárias competentes.

 

Informação Complementar

ZEE nas Selvagens?

Ultrapassado o principal obstáculo à adesão dos países da União Europeia à Convenção — com a revisão da Parte XI por acordo celebrado na Assembleia Geral das Nações Unidas em Julho de 1994 — o processo da ratificação portuguesa arrastou-se por mais de três anos ainda. Ao longo deste período veio a público que os Governos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, bem como alguns sectores políticos no Continente, haviam manifestado reservas quanto ao "regime das ilhas" contemplado na Parte VIII da Convenção, em razão das suas implicações para as Ilhas Selvagens. Houve quem defendesse, neste contexto, que a posição de Portugal face a estes ilhéus deveria ser acautelada quando da notificação da ratificação às Nações Unidas, por meio de uma declaração específica nesse sentido. De acordo com o §3 do artigo 121°, "os rochedos que, por si próprios, não se prestam à habitação humana ou à vida económica não devem ter zona económica exclusiva nem plataforma continental" — o que quer dizer que apenas beneficiam de mar territorial.

No quadro do processo de negociação, a delegação portuguesa sustentara a posição contrária: "ilhéus" como as Selvagens, inabitadas e sem vida económica própria, deveriam ter direito a zona económica exclusiva e a plataforma continental. Todavia, essa posição não vingou e a Convenção veio excluir a extensão das zonas marítimas daquilo que qualificou como "rochedos", para os distinguir das "ilhas". O Estado português tem exercido a sua soberania sobre as Ilhas Selvagens, sem a objecção do Estado vizinho, a Espanha. Já a reclamação de que as Selvagens disponham de zona económica exclusiva e de plataforma continental é dificilmente admissível e terá estado na base do bloqueio das negociações para a delimitação das zonas marinhas entre os dois Estados no final dos anos 70. A Convenção veio retirar qualquer legitimidade à reivindicação portuguesa. Não parece fazer sentido vir defendê-la de novo, quinze anos depois.


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* Maria Eduarda Gonçalves

Doutorada em Direito pela Universidade de Nice. Professora Associada do ISCTE.

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Dados adicionais
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