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Grupos étnicos em Portugal: o caso cabo-verdiano

Margarida Rebelo *

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A presença de grupos étnicos em Portugal e os fenómenos relativos à etnicidade adquirem actualmente, na sociedade portuguesa, uma expressão social e cultural à qual não podemos continuar alheios. Portugal – por muito tempo considerado como país de emigrantes – tornou-se, sem perder o anterior estatuto, num país de imigração e de imigrantes.

Como Fernando Luís Machado refere, no seu artigo sobre os luso-africanos em Portugal, "depois de uma fase em que aparentemente o ignorou, o Estado português acabou por reconhecer a existência de um ‘problema imigração’, pôs em prática um processo de legalização extraordinária dos muitos imigrantes clandestinos e adoptou uma política severa de contenção da imigração, concertada a nível da União Europeia e consagrada no Acordo de Schengen" (1994:112).

Assim, há já algum tempo que o problema da imigração e dos imigrantes passou a estar na ordem do dia nos vários meios de comunicação social, na política, no discurso público e no interesse científico e académico, assistindo-se, neste último domínio, a um "surto" de trabalhos sobre as variadíssimas vertentes de estudo desta problemática.

Antes de iniciarmos a exposição sobre alguns estudos feitos em Portugal sobre a reconfiguração das identidades e as representações dos estrangeiros sobre a sua nova condição – a de estrangeiro numa sociedade eminentemente multicultural – apresentamos uma breve caracterização de alguns grupos étnicos, designadamente no que se refere à sua localização geográfica, distribuição por sexos e situação laboral.

 

Breve caracterização dos imigrantes em Portugal

A grande maioria dos estrangeiros em Portugal reside na zona de Lisboa e vale do Tejo e, embora em menor número, na região sul do país. No que se refere à distribuição por sexo, verificamos que os estrangeiros são maioritariamente homens, independentemente da sua região e/ou país de origem, mas não em proporção suficiente para defendermos a ideia de que a imigração para Portugal é predominantemente masculina.

A análise da proporção masculino/feminino dos imigrantes brasileiros e europeus evidencia valores muito próximos em cada uma das categorias, o que sublinha uma distribuição quase equitativa pelos dois sexos.

Ao analisarmos a situação perante o trabalho dos imigrantes verificamos, em primeiro lugar, que a categoria de trabalhador por conta de outrem é a mais numerosa. Esta situação é, no entanto, particularmente evidente no caso dos imigrantes dos PALOP.

 

Os luso-africanos em Portugal: as duas dicotomias

No artigo já citado anteriormente, Fernando Luís Machado distingue claramente dois grandes grupos: os primeiros luso-africanos e os novos luso-africanos (itálico nosso). Relativamente ao primeiro, o autor caracteriza-os como o "núcleo mais antigo de luso-africanos fixados em Portugal, formado por indivíduos e famílias de origem africana, detentores de nacionalidade portuguesa, que ou já cá viviam antes de 1974, situação menos comum, ou que, casos mais frequentes, chegaram no pós-25 de Abril, antes ou pouco depois das independências das cinco ex-colónias africanas" (1994:113). Para este grupo de indivíduos, a posse da nacionalidade portuguesa deriva da eventual co-existência de duas condições: terem pais/avós portugueses e/ou desempenharem funções nos antigos órgãos da administração colonial. Nestes casos, parece então que a vinda para Portugal surge como uma mera consequência do processo de descolonização. De nacionalidade portuguesa ou com ascendência portuguesa, com posições e qualificações profissionais e escolares mais elevadas, este grupo não deveria ser considerado como imigrante, quer pela composição social do próprio grupo, quer pelo modo de inserção social.

Para melhor ilustrar as diferenças entre este grupo e outros grupos de imigrantes africanos, Fernando Luís Machado elege a etnia cabo-verdiana como exemplo paradigmático. Os cabo-verdianos são, reconhecidamente, o grupo étnico numericamente mais saliente em Portugal dentro do grande grupo dos imigrantes oriundos dos 5 países africanos de língua oficial portuguesa. Assim, e ainda no dizer do autor, "é razoável considerar que a distinção entre naturais e nacionais restitui, grosso modo, as diferenças entre os luso-cabo-verdianos e os cabo-verdianos imigrantes" (116).

O quadro seguinte (ver Infografia) sistematiza o contraste de características da composição social destes dois grupos. Como podemos constatar, o grupo dos "naturais", para além de ser uma população mais instruída e, por isso, com profissões e estatuto profissional mais elevado, como tínhamos já referido anteriormente, parece preferir a cidade de Lisboa para residir, é mais envelhecida e a relação de masculinidade reflecte um maior equilíbrio.

Face a esta clara distinção, o autor propõe que "a composição social do grupo dos primeiros luso-africanos permite concluir que, na maioria dos casos" estas pessoas não estabelecem relações sociais directas e regulares com os imigrantes dos respectivos países de origem. A distância social que a sua condição de classe impõe (...) é dobrada pelas próprias descontinuidades da localização residencial, e tenderão a sobrepor-se aos eventuais efeitos de determinadas afinidades culturais resultantes da origem comum" (Machado, 1994:117). Esta constatação reenvia para a colocação da hipótese de que o principal ícone de formação da identidade social deste grupo será a posição social que o grupo ocupa, por oposição à categoria – "origem" étnica –, esta última muito mais marcada por uma simbologia cultural comum de representações e práticas "africanas".

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Identidades reconstruídas no binómio etnia e classe social

Ana de Saint-Maurice (1997) na sua recente obra sobre os cabo-verdianos em Portugal, em que começa por dar conta da grande heterogeneidade social deste grupo étnico, finaliza centrando a sua atenção nos processos de reconstrução identitária dos imigrantes, tomando em consideração o binómio etnia/classe social. Segundo ela, "a maleabilidade das fronteiras no caso dos dominantes cabo-verdianos (do ponto de vista social e económico; os "naturais") ao nível simbólico, reforçavam a sua etnicidade, valorizando-a positiva e orgulhosamente, ao mesmo tempo que, ao nível dos comportamentos, se aproximavam da classe dominante da sociedade receptora. Trata-se de uma ethclass específica, só aparentemente contraditória: a segurança que a classe lhe confere sobrepõe-se à insegurança da etnia" (pp. 158).

A categoria etnicidade reúne e fornece uma coesão simbólica forte ao grupo, mas esse grupo mais alargado acaba por se dividir ao nível das práticas, criando-se, assim, as ethclasses, sobretudo visível no grupo dos "dominantes". A saliência da identidade étnica é "avaliada pela clara identificação dos cabo-verdianos com o grupo étnico de pertença e pela positividade que atribuíram a essa pertença. Contudo, a identidade de classe tornava-se saliente para os dominantes quando estes abandonavam o plano distante das identificações simbólicas para se situarem ao nível das práticas, da realidade quotidiana" (pp. 158).

Já no caso dos "dominados" ou dos "nacionais" como lhes queiramos chamar, a identidade étnica é preferencialmente (re)construída em função de aspectos pragmáticos da pertença ao grupo: face às duras condições de trabalho destes cabo-verdianos, e ao compararem-se com o grupo dominante (os portugueses), distinguem-se positivamente, reservando para o seu próprio grupo melhores atributos, mas não deixando de a propósito dele tecer sérias críticas, principalmente no que se refere a conflitualidades do quotidiano.

Finalmente, e nas palavras da autora, "classe social e etnia são factores, se não determinantes, pelo menos orientadores dos comportamentos, percepções e atribuições. (...) o grupo dominante imagina-se como sujeito social. Afirma as suas qualidades em detrimento da sua pertença ao grupo. Pelo contrário, os indivíduos pertencentes à classe dominada sentem a necessidade de se afirmar como membro, como cabo-verdianos ou imigrantes, marcando implicitamente as fronteiras em relação a uma maioria por forma a sentirem-se seguros entre os "seus"" (ibidem, 159).

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* Margarida Rebelo

Mestre em Psicologia Social e das Organizações. Assistente de Investigação no Grupo de Ecologia Social/LNEC. Docente na UAL.

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Bibliografia

OCED (1997) Trends in International Migration -Annual Report. Paris: OCDE Publications.

OCED (1998) Trends in International Migration - Annual Report. Paris: OCDE Publications.

INE (1998) Estatísticas Demográficas 1997. Lisboa: Instituto Nacional de Estatística.

INE (1997) Estatísticas Demográficas 1996. Lisboa: Instituto Nacional de Estatística.

MACHADO, F. L. (1994) Luso-africanos em Portugal: nas margens da etnicidade. Sociologia – Problemas e práticas, 16:111-134

SAINT-MAURICE. A. (1997) Identidades reconstruídas – Cabo-verdianos em Portugal. Oeiras: Celta Editora.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Breve caracterização dos "naturais" e "nacionais" cabo-verdianos

Link em nova janela Situação laboral no país dos estrangeiros residentes em Portugal

Link em nova janela Distribuição por sexo dos estrangeiros residentes em Portugal, por região de origem (situação em 1996)

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