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Virtualidades e insuficiências do sistema de controlo das drogas

Joaquim Rodrigues *

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Ao actual sistema de controlo são apontadas virtualidades e insuficiências que recomendam, a par da salvaguarda das aquisições mais relevantes, um profundo reajustamento, por forma a ser eficazmente atingido o objectivo último — a salvaguarda da saúde e do bem-estar dos indivíduos e da sociedade.

O sistema de controlo nascido em Haia foi o primeiro passo na regulamentação das transacções internacionais das drogas e o facto de ter vindo a acolher a adesão da generalidade dos Estados deverá ser registado como globalmente positivo.

A criação dum sistema de informação estatístico centralizado, mesmo com as grandes limitações que hoje lhe são atribuídas, é outras das aquisições de mérito indiscutível. No que aos resultados diz respeito, um aspecto relevante colhe reconhecimento generalizado: ter evitado, ou reduzido substancialmente, o desvio dos estupefacientes e substâncias psicotrópicas do circuito farmacêutico para o mercado ilícito.

No domínio das insuficiências refira-se, em primeiro lugar, o que designaremos por fragilidades da filosofia de fundo, com expressão sobretudo numa leitura excessivamente rígida dos objectivos imediatos (impedir o desvio das substâncias), na escolha dos meios — que privilegiou os aspectos ligados à oferta (limitação da produção, substituição de culturas, combate ao tráfico), descurando os aspectos ligados à procura — e nas limitações dos pressupostos relativamente à natureza das substâncias em causa (que teriam necessariamente utilidade médico-terapêutica).

Em segundo lugar, a complexidade do sistema exigindo, por um lado, recursos humanos e financeiros fora do alcance da grande maioria dos países em vias de desenvolvimento (não raro os mais atingidos pelo problema) e revelando-se, por outro, incapaz de acolher com a prontidão desejada, as alterações impostas pela evolução da situação (a aplicação do sistema de controlo a uma nova substância demora, em média, quatro anos).

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Em terceiro lugar, a incapacidade do sistema em salvaguardar, na prática, as diferenças culturais: o cultivo do arbusto da coca e da planta da cannabis para o uso tradicional não foram salvaguardados, pondo termo a práticas ancestrais que não constituíam riscos significativos para as populações abrangidas.

O facto de o sistema se ter revelado pouco eficaz para reduzir o volume da produção ilícita e sobretudo para controlar o tráfico e as actividades ilícitas dele decorrentes (branqueamento de capitais) é o dado objectivo de maior impacte junto da opinião pública.

Finalmente, a introdução do consumo das substâncias no conjunto das actividades cuja criminalização é obrigação dos Estados, ao mesmo tempo que a prevenção dos consumos e a prestação de cuidados visando o tratamento, a reabilitação e reinserção social dos consumidores é obrigação dos mesmos Estados, tendo ainda em conta a circunstância de se manter sob uma leitura restritiva a expressão “fins médicos e científicos” — tem-se revelado fonte de controvérsia desorientadora entre Estados e o OICE, a quem cabe a função de avaliar a conformidade da acção dos Estados com os textos convencionais.

A reformulação do sistema que vem sendo reclamada, sobretudo pelos países mais avançados nas vertentes da prevenção e da prestação dos cuidados aos consumidores, atenta a relação estreita entre o consumo de drogas e a infecção VIH — e têm como objectivo último o aumento da eficácia — terá de assentar numa avaliação isenta do seu funcionamento, dos resultados alcançados e dos custos envolvidos e contar com o empenhamento consistente dos responsáveis políticos – processo idêntico ao que esteve na origem do sistema no início do século XX.

Agora como então a questão é: quem vai ousar tomar a iniciativa e liderar com êxito o processo?

 

Informação complementar

Dimensão histórica

A comissão do ópio que em 1909 reuniu em Xangai treze Estados soberanos, foi a resultante de três factores de natureza diversificada: a posição da China em luta pela libertação das medidas sancionatórias impostas pelos tratados de Nanquim (1842) e Tientsin (1878) e pressionada pelo peso social que mais de 15 milhões de opiómanos provocava (1), a pressão da Sociedade para a Supressão do Comércio do Ópio criada em 1874 na Grã-Bretanha levará a Câmara dos Comuns em 1881 a considerar “imoral” o comércio do ópio, e a iniciativa do presidente Roosevelt dos EUA que, por proposta do bispo Brent (presidente do comité para a investigação das questões do ópio nas Filipinas), decidiu promover uma tomada de posição a nível internacional para limitar o comércio do ópio.

Mesmo não se tendo considerado competente para tomar posição final sobre questões de natureza médica (por maioria de 1 voto), a comissão de Xangai adoptaria nove recomendações para cujo acompanhamento foi convocada uma nova reunião para Haia. Adiada por pressão da Grã-Bretanha (que insistia em incluir na agenda, além das questões do ópio, as da cocaína e da morfina), rejeitadas as pretensões da Itália (que pretendia inscrever as questões da cannabis) e da Alemanha (que pretendia retirar as questões da cocaína), a Conferência de Haia reuniu representantes de doze Estados e adoptaria um texto consensual que instituiu o controlo do ópio, da morfina, da heroína e da cocaína e seus derivados. Em virtude dos procedimentos de ratificação acordados, a adesão generalizada à convenção só teria lugar em 1919, com a assinatura do Tratado de Versalhes.

Por decisão da Conferência de Paris (1919), a Sociedade das Nações, através do Comité Consultivo para o Tráfico do Ópio e de Outras Drogas Perigosas, criado para o efeito na primeira reunião da Sociedade, passou a supervisionar a Convenção. Estas competências serão transferidas, em 1946, para a Organização das Nações Unidas (ONU) que criou a Comissão de Estupefacientes em substituição do Comité Consultivo para o Tráfico de Ópio e de Outras Drogas Perigosas.

Os limitados resultados obtidos com a aplicação das medidas de controlo consagradas na Convenção de Haia levaram à realização da Conferência de Genebra (1925). O abandono dos trabalhos por parte da delegação dos EUA e da China é o indicador das dificuldades encontradas para gerar consensos sempre que se tentava avançar em novos domínios. Mas a criação naquela conferência dum registo estatístico, dos certificados de importação e das autorizações de exportação viriam a melhorar a eficácia do sistema. Significativas melhorias foram igualmente introduzidas em 1931, na conferência de Genebra (com a criação do sistema de estimativas anuais e de um órgão para monitorizar o sistema) e em 1936 (com introdução de severas penas para o tráfico ilícito). Novos passos na melhoria da eficácia do sistema serão dados em 1948 (ao ser acordado o controlo das substâncias cujo abuso produzisse o mesmo efeito que as já controladas) e em 1953 (ao serem estabelecidos os quantitativos de ópio que podiam ser anualmente produzidos e os países que podiam cultivar a papoila do ópio para exportação).

A Conferência de Nova Iorque (1961) reuniria num texto único a generalidade das posições constantes dos tratados e protocolos anteriormente adoptados (salvo a convenção de 1936) cuja gestão se tornara de extrema complexidade.

Para além da concentração num só texto das disposições constantes de todos os tratados anteriormente adoptados, a convenção de 1961 alterou a filosofia de controlo da cannabis (proibindo a produção), alterou a estrutura dos dispositivos de controlo internacional (criando o OICE em substituição do PCB e DSB), reforçou o papel da OMS e incluiu recomendações no sentido de os Estados oferecerem facilidades de tratamento e reabilitação aos toxicodependentes.

A extensão do controlo às anfetaminas, tranquilizantes e barbitúricos – cujo consumo alguns Estados entendiam estar a constituir problema de saúde, a partir do final da segunda Grande Guerra – só viria a ser acordada na conferência de Viena (1971).

A preocupação com a supressão do tráfico ilícito, acordado em 1936 em Genebra, não gerou os consensos necessários para ser incluída na convenção de 1961 e só viria a ser acolhida pela convenção de 1988 (Viena).

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1 Veja-se o texto da carta remetida pelo Comissário LinTse-Hsuá à Rainha Vitória em 1839: “Suponha que há gente de outras terras que transporta ópio para venda na Grã-Bretanha e seduz os vossos cidadãos a comprá-lo e a fumá-lo. Seguramente a vossa memorável justiça deploraria… e naturalmente não desejará dar aos outros o que V. Majestade não quer para si.”

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* Joaquim Rodrigues

Licenciado em Psicologia pela Universidade de Lisboa. Representante Nacional junto do Grupo Pompidou do Conselho da Europa.

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Bibliografia

Observatoire Geopolitique des Drogues, Atlas mondial des drogues, Presses Universitaires de France, Paris 1996.

I. Bayer and H. Ghodse, Evolution of international drug control, 1945-1995 In Bulletin on Narcotics, vol.– LI, N.os 1 and 2, (1-17) 1999.

B. Rexed. K. Edmonson, I. Khan, R. S. Samson, Normas para la fiscalizacion de estupefacientes y sustâncias psicotrópicas, Organization Mondial de la Salud, Ginebra, 1984.

K. Brum, L. Pan, I. Rexed, The Gentleman’s Club, The University of Chicago Press Chicago and London, 1975.

United Nations International Drug Control Programme, World Drug Report, Oxford University Press, Oxford 1997.

United Nations International Drug Control programme, Global Illicit Drug Trends 2001.

O DCCP, Studies on drug and Crime/Statistics, Ré-Publication version.

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Dados adicionais
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