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Portugal–Espanha, uma relacionamento “coopetitivo”

Helena Bico Marques, Rita Isabel Lages, Sérgio Leal Nunes *

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Portugal e Espanha, há séculos a esta parte — começando pela ocupação mútua deum mesmo território, passando pelo tratado de Tordesilhas até à entrada conjuntana Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1986 — têm mantido formas de relacionamentoalgo peculiares e nem sempre num sentido maximizador das capacidades ibéricas.

Um conjunto recheado de razões de fundo tem levado a que as relações ibéricas se tenham intensificado nos últimos 50 anos. Há razões de lógica, como a proximidade geográfica (tornando-os parceiros naturais, geneticamente conectados), de aproveitamento mútuo de mercados, de gestão de recursos comuns (hídricos, ambientais, infra-estruturais); razões de natureza política, como sejam o processo de integração europeia, que ambos iniciaram em 1986 e que teve como consequências directas o aumento dos fluxos comerciais e financeiros, nomeadamente de alterações significativas ao nível do investimento directo, e a procura de estabelecer e fortalecer posições geoestratégicas em termos de aproximação ao centro de poder da União Europeia (UE), inexoravelmente ancorado ao centro da Europa.

Pretende-se aqui avançar com alguns exemplos e argumentos que permitam enquadrar o tipo de relacionamento que, na nossa opinião, melhor se coaduna com os interesses nacionais de cada país e da Península Ibérica enquanto território com capacidade para se desenvolver e proporcionar bem-estar aos seus cidadãos e provocar “desequilíbrios compensadores”, face ao directório dos chamados “Grandes Países” da Comunidade.

No Quadro estão explicitados os principais temas tratados (agrupados por ministérios) na XVII Cimeira Luso-Espanhola, que teve lugar em Sintra, em 29 e 30 de Janeiro de 2001. Cada assunto está afecto ao seu respectivo ministério e é tratado, maioritariamente, no seu âmbito.

No entanto, numa outra perspectiva, podemos reagrupar os temas não por ministérios mas por uma tipologia que diferencia a natureza intra/extra Ibérica dos assuntos em questão (ver caixa abaixo).

Faremos, de seguida, referência a alguns tópicos que podem configurar comportamentos de natureza “coopetitiva” (ver informação complementar).

O primeiro é a segurança das pessoas. Estabeleceu-se uma cooperação ao nível do combate ao terrorismo e ao crime organizado em geral. Em matéria de combate ao terrorismo ficou acordada a criação de um “grupo de contacto” que pretende organizar o esforço ibérico no seio da União Europeia. Será então necessária a rápida adopção na União Europeia de instrumentos comunitários respeitantes a três questões fundamentais:

• aceleração e simplificação dos procedimentos de reconhecimento de decisões judiciais e extradição;

• avanço da harmonização das incriminações e das sanções em matéria de terrorismo;

• estabelecimento de um mandado de detenção europeu.

O segundo refere-se à política ibérica de infra-estruturas. Foi ratificado o agrupamento de interesse económico, que junta a entidade pública, gestor de infra-estruturas ferroviárias em Espanha, à Rede Ferroviária de Alta Velocidade SA de Portugal. Pretende-se, assim, criar uma entidade — com sede em Madrid e presidente português — que irá desenvolver em conjunto ambos os projectos de comboios de alta velocidade. Foram também referenciadas iniciativas relativamente à rede eléctrica, à rede de gás e de todo um conjunto de infra-estruturas que procuram criar, progressivamente, um mercado ibérico integrado no quadro da União Europeia.

Em terceiro, a política ibérica de cooperação com Países do Sul. Identificaram-se e seleccionaram-se quatro projectos concretos, com Marrocos, com Cabo Verde, com El Salvador e com Timor-Leste. Eles servirão de base ao desenvolvimento de uma política sistemática de coordenação das cooperações, promovendo acções trilaterais de cooperação com diversos países do sul. Existem, simultaneamente, cooperações empresariais ao nível de investimentos conjuntos, nomeadamente na América Latina.

Configurando uma prática competitiva intra-ibérica podemos referir o sector do Turismo. O sector do Turismo contribui com cerca de 8% para a formação do PIB, emprega directa ou indirectamente cerca de 10% da população activa, contribui de forma significativa para o equilíbrio da balança de pagamentos e gera importantes efeitos multiplicadores na actividade económica.

Este é um sector onde claramente cada país procura maximizar as suas especificidades com vista a captar o maior fluxo turístico nacional e internacional.

A única forma de competir actualmente neste sector é pela qualidade. Significa, então, que mais do que qualificar a oferta é necessário qualificar a população e o território e melhorar o desempenho das empresas turísticas que se querem integradas em sistemas turísticos locais sustentáveis do ponto de vista ambiental, cultural, social e económico.

Portugal representa apenas 3,1% das entradas em Espanha, muito aquém da Alemanha (23,7%) e do Reino Unido (26,6%). Os produtos espanhóis mais procurados passam pelas Canárias, Ibiza, pelas cidades (Madrid e Barcelona), pelo turismo religioso (Santiago) e destinos de Inverno (Serra Nevada, onde existe a “semana dos portugueses”, referente ao Carnaval).

Já Portugal é o primeiro destino turístico dos espanhóis, que procuram essencialmente a região de Lisboa e Vale do Tejo, do Norte e do Algarve. Também aqui se poderia referir a “semana dos espanhóis” que pela altura da Páscoa aproveitam para se deslocarem em massa ao nosso país em busca do usufruto da conjugação da boa gastronomia e do clima ameno que então se costuma fazer sentir.

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Para além destes aspectos que emergem da Cimeira Luso-Espanhola, de Janeiro de 2001, podem mencionar-se mais dois exemplos. O primeiro refere-se ao Acordo em Matéria de Perseguição Transfronteiriça, assinado em Albufeira em Novembro de 1998, que pretende consolidar e desenvolver instrumentos de natureza policial de cooperação transfronteiriça.

As fronteiras são, por definição, espaços de ruptura social, política, económica, cultural. A finalidade destes acordos passa pela introdução de elementos de continuidade, de concertação entre territórios vizinhos que lutam por objectivos comuns.

Por último, os acordos de Schengen. Schengen (nome da cidade luxemburguesa onde foram assinados os primeiros acordos, em Junho de 85) é uma designação dada a dois Acordos Internacionais (um Acordo e uma Convenção) subscritos por um conjunto de Estados membros da UE (com excepção do Reino Unido e da Irlanda) com o objectivo de promover a livre circulação de pessoas. Noruega e Islândia, estados não membros da EU, assinaram um Acordo de Cooperação com os vários Estados de Schengen.

Para além da participação directa de Portugal e Espanha, houve necessidade de desenvolver um conjunto de formas de actuação harmonizadas com vista a assegurar as condições de entrada no espaço Schengen. Tratou-se de melhorar a coordenação entre serviços de polícia, das alfândegas e de justiça.

Em termos económicos, constata-se que o comércio internacional português e espanhol se faz, maioritariamente, com os países da UE, quer em termos de entradas quer de saídas. Dentro deste bloco — UE —, alinharam-se os 10 países com quem tanto Portugal como Espanha mantêm os fluxos comerciais mais significativos e cujo resultado pode ser visionado no Quadro. Em termos de saídas, cerca de 66% fazem-se para um mesmo conjunto de países (Alemanha, EUA, França, Itália, Países Baixos e Reino Unido). No que se refere às entradas, cerca de 78% provêm também de um conjunto idêntico de países (Alemanha, EUA, França, Itália, Países Baixos, Reino Unido e Japão).

Estes valores evidenciam, de forma clara, não só os intensos fluxos comerciais intracomunitários mas, particularmente, as zonas comuns com as quais Portugal e Espanha interagem comercialmente, podendo estar criado um pressuposto de base para o desenvolvimento de estratégias concertadas neste domínio.

A problemática enunciada configura, claramente, um tipo de relacionamento de “coopetição”. Por um lado existe uma força centrífuga, apelando à busca das melhores posições individuais numa perspectiva de uma maior competição.

Por outro lado, desenvolvem-se forças centrípetas, que se desejam acompanhadas por acções de cooperação que permitam defender, de uma forma sólida e sustentada, a posição dos dois países face aos grandes desafios actuais (aprofundamento da integração dos mercados e forças orientadoras de natureza mundial) e futuros, nomeadamente o possível e desejável alargamento da UE.

Concluindo, refiram-se duas questões: a primeira refere-se à necessidade de coordenação entre ministérios e de integração conjunta das suas iniciativas políticas. Matéria delicada, à qual se deve grande parte da ineficácia das medidas que vão sendo tomadas e que, sendo implementadas sectorialmente, dificilmente poderão responder adequadamente a problemas de índole multidisciplinar que atravessam horizontalmente vários domínios.

A segunda aponta para uma tendência cada vez mais evidente nas condições actuais de organização mundial das estruturas sociais, que se resume à necessidade de mobilização de competências de natureza específica a um determinado território (leia-se Península Ibérica), como forma de enfrentar com probabilidades de sucesso os desafios que se colocam às sociedades modernas (leia-se desafios da globalização). Isto significa que só através da construção de espaços densos em estratégias flexíveis ambos os países conseguirão aproximar o nível de vida da sua população aos padrões médios do resto da Europa.

É, precisamente, do entrelaçar de todas estas tipologias relacionais (intra/extra ibérica, intra/extra UE) que cada país poderá construir a sua matriz relacional, sustentáculo do seu desenvolvimento, com uma organicidade de densidade variável conforme o ponto da matriz em que se queira posicionar, face aos objectivos que esteja a considerar num dado momento da sua história e do papel que deseja desempenhar na própria história.

 

Informação complementar

O Conceito de “Coopetition” — das Empresas aos Países

O termo “coopetition” nasceu ligado a estratégias no âmbito das actividades imobiliárias, através da criação das Multiple Listing Services (uma lista conjunta definia a capacidade de oferta global), como forma de cooperativamente se competir num ambiente equitativo.

O sector seguinte a adoptar o termo foi o sector de redes informáticas. A ideia subjacente defende que num mercado de âmbito mundial existe possibilidade de lucros para todos os participantes. Desta forma, se todos os vendedores adoptarem acções de cooperação (criando mercados, estabelecendo protocolos e parcerias, ouvindo os clientes, trabalhando com fornecedores) os lucros potenciais dessas medidas seriam superiores àqueles que resultariam se os consumidores fossem obrigados a escolher um dos lados. A competição pura teria como consequência a diluição dos lucros, aniquilando, inclusive, alguns dos competidores (veja-se o que aconteceu na guerra de preços que opôs a indústria de aviação americana em 1990-93).

Recentemente, em Dezembro de 2000, Vladimir Putin visita o Canadá e Cuba. Em Julho de 2001 assina um acordo de cooperação com a China. A Rússia adopta, nos primeiros anos do século XXI, uma nova perspectiva de política externa — a “coopetição” — acordos de cooperação geopolíticos como forma de competir internacionalmente com Washington aos mais diferentes níveis.

Configuram-se, deste modo e de forma crescente, relacionamentos de guerra e paz mas, ao contrário da cíclica Guerra e Paz de Tolstoi, temos ciclos sobrepostos de guerra e paz.

A ideia fundamental passa por cooperar quando se está a construir o bolo e ser competitivo aquando da sua divisão.

Das empresas aos territórios é apenas uma questão de imaginação.

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* Helena Bico Marques

Licenciada em Economia pelo ISEG.

* Rita Isabel Lages

Licenciada em Economia pelo ISEG.

* Sérgio Leal Nunes

Licenciado em Economia pelo ISEG. Mestre em Economia e Gestão do Território pelo ISEG. Docente na UAL.

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Dados adicionais
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