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A fragmentação geopolítica, o 11 de Setembro e o ocaso da Europa

José Manuel Félix Ribeiro *

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O fim da Guerra Fria determinou o fim da bipolarização das relações estratégicas e geopolíticas mundiais, que permitia a centralização da dissuasão dos conflitos regionais. Este enquadramento determinou a emergência de uma nova conjuntura internacional marcada por uma maior fragmentação geopolítica, onde toda a região asiática, o Médio Oriente e o Golfo Pérsico, assumem um lugar de destaque, em detrimento do papel central outrora ocupado pelo continente europeu. Sem a progressão do processo de Globalização Económica acelerar-se-á a tendência para a Fragmentação Geopolítica.

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O fim da Guerra Fria determinou o fim duma estrutura bipolar nas relações estratégicas e geopolíticas mundiais que, se levara ao agudizar de tensões em certos teatros regionais, mantivera sob controlo essas tensões, graças à intervenção de cada uma das superpotências junto dos Estados do seu “campo”. O funcionamento da dissuasão nuclear entre as duas superpotências, se não dispensava cada campo de se fortalecer em termos convencionais perante o outro, permitia que a gestão da dissuasão em termos de conflitos regionais fosse centralizada.

 

A fragmentação geopolítica

Com o fim da bipolaridade, emergiu, lentamente, um novo enquadramento internacional (caracterizado por uma maior fragmentação geopolítica), relativamente ao qual se destacam os seguintes elementos:

• O crescimento da importância estratégica de um “Arco de Crise” que engloba a Ásia Central, o Médio Oriente, o Golfo Pérsico, a Ásia do Sul e a Ásia-Pacífico (Coreias, Curilhas, estreito da Formosa e mar do Sul da China), em detrimento da importância estratégica central do continente europeu (característica do período da “guerra fria”);

• A emergência complexa e possivelmente tumultuosa de novas grandes potências (China, Índia e Irão) que tentarão afirmar-se primeiro como actores principais nos “complexos regionais de segurança” em que se inserem e que se localizam ao longo do “Arco de Crise”;

• A afirmação dos EUA como única potência ainda com capacidade de projecção de poder ao longo deste “Arco de Crise” e com meios tecnológicos e financeiros para reduzir a vulnerabilidade do seu território às armas de destruição maciça em difusão (defesa antimíssil);

• O declínio do poder externo (e da base económica externa) da Rússia, dividida entre os extremos da opção por um entendimento privilegiado com os EUA e uma aproximação aos principais aliados dos EUA durante a “guerra fria”– Alemanha, Japão, Coreia do Sul e Turquia – e a utilização da ascensão de novas potências para tentar reduzir a capacidade de actuação externa dos EUA ao longo do “Arco de Crise”.

 

Década de 90 – os EUA e a contenção da dinâmica de fragmentação geopolítica

No entanto, ao longo dos anos 90, a actuação dos EUA permitiu limitar o potencial de propagação de crises ao longo do referido “Arco”. Estes foram alguns dos pontos centrais de actuação americana:

• Depois de a guerra Irão/Iraque ter terminado de forma humilhante para o Irão, este ficou limitado na sua capacidade de perturbação regional, tendo optado por reforçar a sua presença no conflito do Médio Oriente (através do Hizbollah) e por se aproximar da Rússia. Depois da Guerra do Golfo foi a vez do Iraque ficar isolado e enfraquecido, tornando possível que durante quase uma década uma das regiões mais perigosas do mundo tenha ficado aparentemente paralisada pelo duplo “containment” americano do Iraque e do Irão;

• Depois da Guerra do Golfo, os EUA apoiaram o relançamento, em novos termos, da negociação entre Israel e os palestinianos. Este processo foi materializado nos acordos de Oslo que asseguraram, de 1993 a 2000, um parênteses num dos mais intratáveis conflitos regionais;

• No Afeganistão, após a saída dos soviéticos, os EUA entregaram, na prática, a gestão geopolítica do país a uma aliança entre a Arábia Saudita e o Paquistão, os quais ensaiaram, sem êxito, sucessivas soluções étnico-políticas destinadas a estabilizar o país e acabaram por, em 1994, apoiar a tomada do poder pelos taliban;

• Na Ásia-Pacífico, a China, depois de Tianamen, retomou a via das reformas económicas e mobilizou-se para a entrada na OMC, sem deixar, no entanto, de manifestar a sua determinação em vir a controlar Taiwan. No conjunto, parece ter seguido uma política regional moderada.

Na península coreana, os EUA forçaram a Coreia do Norte a abandonar o seu programa nuclear e facilitaram o recomeço das relações com a Coreia do Sul. Isto sem, no entanto, conseguirem controlar as exportações de armas e tecnologia militar por parte do regime norte-coreano;

Ou seja, durante a década de 90, a dinâmica imparável da globalização (com as perspectivas de crescimento que ofereceu às economias emergentes), associada a um conjunto de intervenções diplomáticas e militares dos EUA, permitiram manter sob controlo o processo de fragmentação geopolítica no “Arco de Crise”. De facto, nessa década, foi nas periferias da Europa (Balcãs e Cáucaso) que os conflitos foram mais graves, tendo sido determinante, na primeira das regiões, a intervenção dos EUA e da NATO no sentido de travar o agudizar de processos de desintegração e de conflitualidade violenta.

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O 11 de Setembro e os novos actores mundiais

O 11 de Setembro de 2001 – o ataque às Torres Gémeas de Nova Iorque e ao Pentágono por terroristas ligados à rede Al Qaeda, uma rede essencialmente árabe, mas tendo a base de treino e as estruturas de comando no Afeganistão - marcou o início de um período muito agitado ao longo do “Arco de Crise” e revelou a importância futura de um conjunto de Estados.

Na sequência deste ataque, os EUA abandonaram o tratado ABM e lançaram-se no desenvolvimento de uma defesa antimíssil, aproximaram-se da Rússia e da Índia, forçaram o Paquistão a afastar-se da aliança com os árabes da Al Qaeda e dos seus protegidos taliban no Afeganistão (acentuando a importância da questão da Caxemira para o futuro), conseguiram obter a neutralidade da China (não obstante a entrada militar dos EUA na Ásia Central), conseguiram acentuar as divisões entre as alas reformista e conservadora do poder no Irão e depararam-se com a fragilidade da sua posição no Golfo e Médio Oriente, onde se tornaram patentes as cumplicidades de sectores da Arábia Saudita para com a Al Qaeda e onde Israel e os palestinianos radicalizaram os confrontos.

Os acontecimentos de Nova Iorque, e as movimentações geopolíticas que se lhe seguiram, revelaram à evidência um mundo em que os riscos e os actores principais já não se localizavam na Europa, ao contrário do que acontecia durante a Guerra Fria.

Olhando para o futuro, que actores estatais serão determinantes?

A este respeito é necessário distinguir a importância dos actores em termos da globalização económica e em termos da fragmentação geopolítica, duas forças motrizes que continuarão a estruturar o mundo na próxima década. A figura da página anterior posiciona um conjunto de actores conforme a sua maior ou menor proximidade de cada um destes processos, entendida a proximidade no sentido da sua capacidade de os influenciar.

A interpretação desta figura pode fazer-se nos termos seguintes:

• Dois únicos actores têm importância crucial para a evolução de ambas as forças motrizes – os EUA e a China – embora estejam separados por uma grande distância de poder; dada esta característica que os une não é de esperar uma aliança entre ambos (porque destituída de sentido já que não existe nenhuma outra potência que os ameace aos dois); embora se conceba uma cumplicidade no ataque a forças não estatais que ponham em causa os interesses de ambos; no resto, haverá convergências e antagonismos conforme as circunstâncias, e sobretudo conforme a relação de forças;

• Dois actores tradicionais são fundamentais para a evolução da globalização – União Europeia e Japão; assim como dois outros actores terão crescente importância na gestão da fragmentação geopolítica – Rússia e Índia; qualquer deles ambiciona tornar-se relevante na evolução da força motriz que menos influencia, mas no espaço de uma década é pouco provável que o consigam;

• O mundo árabe ocupa uma posição central, porque é muito relevante para a dinâmica de fragmentação geopolítica, em grande parte porque foi incapaz de gerar com êxito uma potência regional, e se defronta com a hostilidade de três outros actores – Irão, Turquia e Israel, que tudo farão para impedir essa emergência; e dada a importância ainda detida pelo petróleo e o peso decisivo das reservas detidas pelos países árabes estes são actores com capacidade de perturbação do processo da globalização;

• As incertezas maiores com que os EUA se vão defrontar na próxima década surgem da China e do mundo árabe e da possível interacção entre os dois.

 

Informação complementar

Globalização económica e fragmentação geopolítica – possíveis relações

Sem o prosseguimento da globalização na economia acelerar-se-á a fragmentação geopolítica por duas razões principais:

• Sem globalização, a economia dos EUA, sofrerá uma profunda recessão e não será capaz de suportar os esforços militares necessários para travar o impacte da fragmentação geopolítica, já que não existe qualquer outra força capaz de travar a deriva regionalista decorrente da afirmação de novas potências e do risco de alianças destas com potências em declínio;

• Sem globalização as economias emergentes não terão razões para conter as suas posturas mais agressivas, ao deixarem de ter o incentivo do crescimento por integração pacífica na economia global;

A importância da China para o processo de globalização desincentivará a adopção pelos EUA de posições de confronto, excepto se as próprias dificuldades de adaptação à globalização fizerem ascender ao poder na China forças que optem por um nacionalismo agressivo;

A globalização pode continuar com diferentes arrumações das relações financeiras entre os EUA, o Japão, a China e a Europa;

Por sua vez , a continuação da globalização pode realizar-se, a nível geopolítico, no contexto de diferentes redes e alianças patrocinadas pelos EUA.

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* José Manuel Félix Ribeiro

Licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras. Subdirector Geral do Departamento de Planeamento e Prospectiva.

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Dados adicionais
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