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O 11 de Setembro e o “Terrorismo de novo tipo”

Luís Leitão Tomé *

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Os ataques do 11/09 modificaram a percepção do terrorismo. Se o conceito “tradicional” se referia à utilização do terror e da violência com motivos políticos, após os ataques tornou-se evidente que muitos grupos terroristas são orientados sobretudo por fanatismos étnicos, apocalípticos ou religiosos em lugar de objectivos políticos concretos. Por isso o objectivo destes grupos passa a ser mais difuso e a realização do maior número de mortes, o fim. Também a racionalidade dos actos é de mais difícil apreensão, uma vez que os protagonistas não temem abdicar da vida em nome de uma “causa’.

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Os autores dos ataques de 11 de Setembro visaram intencionalmente civis inocentes e alvos-símbolo dos EUA querendo, como bem defende Ignacio Ramonet, “atingir forte, atingir no coração e atingir os espíritos” e procurando produzir avultados “prejuízos materiais, um impacte simbólico e um grande choque mediático”.

Muitas coisas mudaram, outras foram sublinhadas e outras ainda foram tornadas visíveis, quando previamente eram praticamente irreconhecíveis. Os EUA e o mundo deixaram de ser o que eram até 11 de Setembro, mas o que se modificou imediatamente foi a própria percepção do terrorismo.

Desde então fala-se de “hiperterrorismo” e de “terrorismo pós-moderno” para significar, primeiro que tudo, que este não é mais como o de antes: um limite impensável, inconcebível, foi transposto, pela crueldade e pelo grau de agressão demasiado desmesurado ao ponto de não se saber como o nomear – atentado, acto de guerra, acção terrorista? Por outro lado, todos compreenderam que se tratava de um terrorismo global: global na sua organização, mas também no seu alcance e nos seus objectivos.

Os ataques nunca foram oficialmente reivindicados pelos seus autores e também não se enunciaram objectivos políticos concretos: o terror manifestou-se como uma espécie de punição contra o comportamento dos Estados Unidos, em particular, e do mundo ocidental em geral, em nome de uma qualquer “justiça divina”.

Com efeito, o terrorismo que se manifestou a 11 de Setembro revela um carácter duplo deste tempo: é o produto de problemas locais e regionais; e é igualmente portador de uma mundivisão universal que se opõe à ideia global reinante – neste sentido, os americanos serão sempre o primeiro alvo destes terroristas. Não há dúvida de que o terrorismo que se manifestou a 11 de Setembro é de “novo tipo”, e representa uma ameaça particular para a segurança internacional. O seu impacte é tão profundo que a onda de choque que produziu vem alterando a própria ordem das relações internacionais.

 

Terrorismo “tradicional”

Convém salientar que o termo “terrorismo” é impreciso e polémico – basta olhar a lista das “organizações terroristas” divulgada pelo Departamento de Estado dos EUA para perceber essa ambiguidade. Depois, se o definirmos como o uso do terror e da violência com objectivos políticos, não podemos deixar de reconhecer que a História mostra que em alguns momentos essa violência foi justificada, e que muitos que outrora foram apelidados de “terroristas” acabaram sendo homens de Estado respeitados – de Michael Collins da Irlanda aos líderes africanos e asiáticos anticoloniais, de Yasser Arafat a Nelson Mandela. Por outro lado, também é bom esclarecer que não existe apenas terrorismo islamita: outros terrorismos estão em vigor, um pouco por todo o mundo não muçulmano – o da ETA em Espanha, o do IRA e o dos unionistas no Ulster, o das FARC e dos paramilitares na Colômbia, o dos Tigres Tamil no Sri Lanka, o dos maoístas no Nepal, o das renascidas “Brigadas Vermelhas” em Itália, o que se manifestou no Peru, na Índia, etc. Poderíamos ainda enunciar múltiplos exemplos de verdadeiro “terrorismo de Estado”, no passado e no presente. Como princípio de acção, o terrorismo foi reivindicado, consoante as circunstâncias, por quase todas as famílias políticas. E a história regista vários momentos em que um acto terrorista acabou por provocar uma alteração ou uma aceleração brusca no seu curso (como o assassinato do arquiduque Francisco

Fernando, sucessor ao trono do Império Austro-Húngaro, em Sarajevo, que precipitou a I Grande Guerra).

Acontece, porém, que o “terrorismo tradicional” é sobretudo uma táctica para chamar a atenção para a sua “causa”, visando normalmente objectivos políticos e militares ou policiais em conformidade.

Muitas vezes, o terror serve para forçar negociações, seja as que envolvem reivindicações territoriais ou políticas, seja a libertação de companheiros seus. Por isso, este tipo de terroristas só raramente se envolvem em matanças indiscriminadas, concluindo que tal repugnaria o público que tentam converter à sua causa.

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Ameaça do “terrorismo de novo tipo”

Contudo, ao longo da última década tornou-se evidente que muitos grupos terroristas são menos motivados por objectivos políticos concretos e mais por fanatismos étnicos, apocalípticos e religiosos.

O seu objectivo é muito mais difuso e baseia-se essencialmente no ódio e na vingança, partindo muitas vezes do desespero. Por isso, em vez de evitarem as mortes em larga escala, estes terroristas procuram matar o maior número possívelde pessoas.

Daqui resultam algumas características deste “terrorismo de novo tipo” que fazem dele uma ameaça particularmente perigosa. Em primeiro lugar, para estes terroristas todos os meios são bons e justificáveis em função dos seus fins, incluindo o sacrifício da sua própria vida e a de milhares de inocentes civis.

O que significa que, grupos como a Al-Qaeda, em vez de um avião de carreira comercial carregado de passageiros e de combustível utilizado como míssil incendiário, se puderem lançar mão de armas químicas, biológicas ou nucleares, ou se puderem visar centrais nucleares, barragens e redes de abastecimento públicas, não hesitarão em utilizar estes meios para provocar o maior número possível de danos materiais e de vítimas humanas.

Segundo, contra este tipo de terroristas não há praticamente poder de dissuasão, uma vez que estes indivíduos procuram “oferecer” a sua vida, em nome da “causa” e na expectativa de serem recompensados pela autoridade divina depois da morte terrena.

Terceiro, este tipo de terrorismo goza de assimetrias importantes. Por um lado, na luta contra o terrorismo, os que jogam à defesa têm de proteger, no mundo inteiro, todos os seus pontos vulneráveis; o terrorista só tem de escolher e atacar os alvos mais fracos ou uma acção mais surpreendente. Por outro, os custos de uma acção terrorista são infinitamente mais baixos que os custos necessários à defesa de um ataque desse tipo: para paralisar um aeroporto, ao terrorista basta-lhe uma AK-47; a defesa desse aeroporto custa muitos milhões de euros ou dólares. Os ataques de 11 de Setembro terão custado provavelmente menos de dois milhões de dólares, mas geraram perdas e custos de mais de 100.000 milhões de dólares.

Em quarto lugar, os terroristas “de novo tipo” demonstram saber tirar partido de todos os elementos produzidos pela própria civilização do progresso que consideram tão condenável.

É irónico, sem dúvida, mas as possibilidades da mundialização, sobretudo em termos de transportes e comunicações, permitem-lhes aceder mais facilmente a armas de destruição maciça, disseminar a sua rede de contactos e apoios, diversificar e tornar muito mais complexa a sua rede de financiamentos e, acima de tudo, tornar-se num inimigo mais “difuso” e mais “invisível”.

A Al-Qaeda, a este respeito, mostrou estar perfeitamente adaptada à era da mundialização. Quinto, estes terroristas sabem como tirar vantagem das vulnerabilidades inerentes a regimes democráticos, com sociedades abertas e multiétnicas e com liberdades e garantias individuais que normalmente não existem nos regimes onde encontram acolhimento. Finalmente, e em sexto lugar, o sentimento de insegurança provocado pelo “terrorismo de novo tipo” é aumentado pela consciência de que os meios e as capacidades tradicionais de defesa e de combate, essencialmente militares, não são adequados e revelam-se muito pouco eficazes para lhe fazer face.

Em suma, o terrorismo é um inimigo que, sendo cobarde e quase “invisível”, permite aos fracos atacar os fortes, mas vitimando aqueles que são ainda mais fracos. A sua execução é relativamente barata, mas diabolicamente difícil de combater. E não há perigo maior do que enfrentar alguém cuja racionalidade considera legítimos todos os meios em função dos seus fins, dispondo-se a todo o tipo de sacrifícios.

 

Elementos para a estratégia de combate e contenção ao terrorismo

Um primeiro elemento de combate e de contenção do terrorismo, e em particular do “terrorismo de novo tipo”, exige prevenir e prever os ataques. Ora isso depende da existência de bons serviços de informações e, acima de tudo, da extraordinária coordenação e cumplicidade entre os vários serviços de intelligence. No entanto, não só não existem informações mais difíceis de obter – pelas características étnicas e religiosas desses grupos, bem como pelos seus esquemas de organização, de recrutamento e de “filtragem” – como também não está assegurada a fiel colaboração entre os diversos serviços de informações, nomeadamente entre os “ocidentais” e os que mais de perto lidam com esse tipo de terroristas. Também não é tolerável que, para esse fim como para qualquer outro, se utilizem processos e mecanismos (como a tortura ou a parceria com outros grupos igualmente terroristas ou mafiosos) que colidam com os princípios civilizacionais ocidentais.

A guerra contra o terrorismo implica também uma vasta gama de actividades, desde a diplomacia e a pressão política (para que cesse o apoio a grupos perigosos, para angariar ou solidificar coligações, para isolar um regime apoiante dos terroristas, ou para solucionar um conflito), as medidas económicas (destinadas quer a cortar fontes de financiamento dos terroristas quer a auxiliar populações carenciadas e a atenuar fenómenos de marginalização que tantas vezes surgem associados aos “terrorismos”, permitindo-lhes um vasto campo de recrutamento), as operações militares, psicológicas e secretas. Mais uma vez, isto requer uma grande concertação de esforços e de políticas, o que só se consegue pela definição de um interesse realmente comum e alargado. Por fim, o objectivo estratégico da guerra contra o terrorismo visa eliminar e negar aos grupos terroristas santuários a partir dos quais possam operar e garantir vários tipos de apoios governamentais.

O objectivo pode ser o “castigo” mas deve ser, fundamentalmente, o da “dissuasão” para países ou regimes que patrocinem o terrorismo internacional. No entanto, isto não deve ser feito através de uma resposta tão violenta que o anti-terrorismo acaba por ser já, não o oposto do terror, mas a continuação da sua lógica. Afinal, a guerra contra o terrorismo não pode fazer-nos ganhar o mundo mas perder a alma.

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* Luís Leitão Tomé

Licenciado em Relações Internacionais pela UAL. Mestre em Estratégia pelo ISCSP. Docente na UAL. Investigador na NATO. Assitente no Parlamento Europeu.

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