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Justiça e “media”: da comunicação ao entendimento

Sara Pina *

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Os media constituem o principal veículo de informação dos cidadãos sobre a Justiça, detendo assim um papel importante no que toca ao esclarecimento dos cidadãos numa sociedade democrática. Contribuem desta forma para o controle democrático da actividade dos tribunais, fornecendo por vezes denúncias essenciais para a prossecução da própria Justiça. No entanto, ao difundir a notícia sobre a Justiça, os jornalistas deslocalizam e desenquadram-na da expressão simbólica e identitária da cultura a que pertence, tentando por vezes substituir-se aos próprios órgãos representativos.

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Buscas da Polícia Judiciária, acusações do Ministério Público, sentenças de juízes... Diariamente estamos, enquanto consumidores de informação, em contacto com a realidade judiciária, mas o que vemos, ouvimos e lemos sobre estes temas não resulta, a maior parte das vezes, da nossa observação directa e individual: a televisão, a rádio, os jornais, seleccionam os assuntos de Justiça, fazem investigação jornalística, tratam as informações recolhidas e dão-nos as notícias.

Num estudo publicado em 2002 pelo Centro de Estudos Judiciários, 83% dos portugueses inquiridos admitiram ver televisão todos os dias (ou quase); 58,9% ouvem rádio; e 28,1% lêem jornais diários com essa mesma regularidade. No entanto, 74,2% dos inquiridos nunca intervieram num processo em tribunal, nunca estiveram em contacto directo com a Justiça (ver quadro intitulado “Contacto com a justiça – Casos em tribunal”). Conhecem a Justiça apenas através dos media. Isto é, muito parcelarmente, se se pensar, por exemplo, no número de investigações crime dadas pelos media como iniciadas e no número das realmente iniciadas. De facto, só na comarca de Lisboa, foram abertos no ano passado pelo Departamento de Investigação e Acção Penal mais de 86 mil processos crime.

Na produção mediática, os assuntos judiciários têm um bom valor de mercado – a justiça vende! Principalmente a justiça criminal: a ocorrência de acontecimentos inesperados que constituem um desvio à normalidade social impressiona e gera interesse nos cidadãos, interesse que aumenta com a eventual notoriedade pública dos envolvidos ou com a anormalidade dos factos. Relatar crimes, escândalos, denúncias, protestos, permite recriar no receptor sentimentos fortes, emoções que simultaneamente o atraem e assustam (medo, desespero, sofrimento, morte, coragem, arrependimento, etc…).

De todo o modo, os media prestam um serviço indispensável à Democracia, cuja qualidade e maturação pode ser medida pelo grau de esclarecimento dos cidadãos. Contribuem para o controlo democrático da actividade dos tribunais, pondo em prática a regra da publicidade, e exercem um papel importante de prevenção e repressão. Fornecem sugestões importantes para investigações e fazem algumas denúncias essenciais para a prossecução da própria Justiça.

O interesse que os assuntos do Direito suscita nos cidadãos é revelado num estudo elaborado pela Data Crítica, Escola Superior de Comunicação Social, Diário de Notícias, TSF e SIC, intitulado “O Estado da Nação”. Dos inquéritos levados a cabo resulta que a Justiça ocupa o quinto lugar de importância entre os assuntos propostos e o quinto lugar nas prioridades para intervenção na sociedade portuguesa (ver quadro respectivo).

Acontece que, muitas vezes, ao dar-se notícia da Justiça, altera-se a sua forma. Para encaixá-la nos ecrãs de televisão, nos noticiários das rádios, nas páginas dos jornais, os jornalistas deslocalizam e desenquadram a Justiça da sua expressão simbólica e identitária de uma cultura.

A Democracia directa pelos media não passa de uma ilusão – em nome da transparência e da verdade, os media substituem as instituições judiciárias, esquecendo frequentemente, por exemplo, os direitos fundamentais da pessoa humana, a presunção de inocência, o princípio do contraditório, e corrompem, portanto, os princípios democráticos. Há corrupção da Democracia, diz Montesquieu, não somente quando perdemos o espírito de igualdade, mas também quando assumimos um espírito de igualdade extrema e cada uma das pessoas quer ser igual aos que escolheu para a representar: deliberar em vez do Governo, investigar em vez das polícias, julgar em vez dos juízes...

 

Princípios incompatíveis?

Há um forte antagonismo entre as características do trabalho dos tribunais e as da comunicação social. As decisões judiciárias são tomadas no decurso de rituais, fases processuais inultrapassáveis que dão garantias da correcta aplicação do Direito. O Direito aplica-se em espaços próprios com a indispensável presença dos intervenientes. A Justiça é necessariamente lenta. A comunicação social rege-se, ao contrário, por critérios muito flexíveis e não burocráticos que, embora possam pôr em risco alguma correcção das informações reveladas, permitem rapidez e eficiência na satisfação do interesse do público por novas informações. O jornalismo faz-se em todos os lugares que sejam notícia, com um grau de formalidade muito reduzido, para não prejudicar a adesão e o reconhecimento do leitor, espectador ou ouvinte.

Os tribunais pretendem conhecer a verdade material, resultante de provas que obedecem a critérios rigorosamente regulados. Os media buscam a verdade, podendo reconstruir livremente os factos e recorrer ao segredo das fontes. A linguagem judiciária é rígida, a oralidade limitada, a argumentação técnica e, por vezes, de difícil compreensão. A linguagem dos órgãos de comunicação social é acessível, de fácil compreensão, atraente e agradável.

Os princípios antagónicos que os regem não justificam que media e Justiça não interajam. Antes pelo contrário, jornalistas e operadores judiciários estão “condenados” a entender-se. O acesso ao Direito de todos e a tutela jurisdicional efectiva, as garantias do processo criminal, bem como a liberdade de expressão e informação e a liberdade de imprensa e meios de comunicação social são direitos fundamentais constitucionalmente garantidos. Até à audiência de discussão e julgamento, que por regra é pública, os jornalistas podem ter algumas dificuldades em obter esclarecimentos sobre um processo. Pois, para além dos limites à liberdade de informação que decorrem da lei, como é o caso do segredo de justiça, em Portugal os magistrados têm um dever de reserva e sigilo que se prende com a preservação da sua imagem de isenção e independência. Os magistrados estão proibidos de fazer declarações relativas a processos com o fim de não contribuírem para a deslocalização dos processos dos tribunais para a praça pública. No entanto, em certas situações, não é proibida a divulgação de informações pelas magistraturas, como acontece no caso da satisfação de necessidades de Justiça ou realização de direitos e valores, sendo que o crescente interesse da comunicação social pelo judiciário obrigou a que se começassem a organizar assessorias de imprensa junto de algumas instituições da Justiça, a primeira das quais a Procuradoria-Geral da República, em 1998.

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Da boa interacção entre os que aplicam o Direito e os que informam os cidadãos depende a qualidade da Democracia, e na hora de esta ser avaliada nem os operadores judiciários quererão ser acusados de hermetismo e falta de transparência, nem os jornalistas de abusos da liberdade de imprensa ou de falta de respeito por princípios constitucionais básicos. Mas a verdade é que na má interacção entre ambos e nos seus desastrosos resultados não há inocentes.

 

Informação Complementar

Latitudes diferentes, problemas iguais

A Convenção Europeia dos Direitos Humanos determina tanto a liberdade de expressão e de imprensa como a publicidade do julgamento, admitindo algumas circunstâncias em que o acesso à sala de audiências pode ser reservado. Estes princípios são reconhecidos pela legislação da generalidade dos países democráticos e, juntamente com a regra de segredo durante uma primeira fase processual, de forma a não se prejudicar o trabalho judiciário, norteiam as relações entre jornalistas e magistrados. Na Bélgica, os magistrados podem fornecer informações à imprensa por razão de um interesse superior e geral, e na Suíça por razões de interesse público que se prendam com a tranquilidade ou a rectificação de notícias falsas.

A instrução de processos em França tem sido influenciada pela acção da comunicação social. Segundo o procurador-geral Pierre Truche, há a tentação, por parte de alguns magistrados, de dar a conhecer os seus processos de modo a verem reconhecido o seu trabalho, assim pondo em risco o carácter contraditório de uma instrução que não pode, naturalmente, ser levado a cabo na comunicação social. O caso do sangue contaminado é um exemplo do papel às vezes ambíguo dos media – além de informarem, denunciaram e investigaram, e os franceses acreditam que o assunto nunca teria sido tratado pela Justiça se não fosse a pressão jornalística.

A Constituição alemã protege não só a livre divulgação de opinião e informação mas também o trabalho de preparação que a precede. As informações podem ser recusadas aos jornalistas se puserem em causa o bom curso do processo, mas a regra é, ao contrário do que se passa em Portugal, não só dar informações quando são pedidas pela comunicação social, mas tomar a iniciativa de prestar esclarecimentos. O trabalho dos gabinetes de imprensa na área da Justiça é fundamental, já que se considera de grande importância contactar permanentemente com os jornalistas e dar-lhes as explicações necessárias. Um grande número de tribunais tem um porta-voz que, por exemplo, é avisado com antecedência das datas e assuntos a serem julgados de modo a poder informar os jornalistas.

Em Itália, os actos decorrentes da investigação são secretos até ao momento em que o arguido pode ter deles conhecimento. Assim, por exemplo, uma ordem de detenção é secreta até ao momento em que é executada. O juiz pode autorizar a presença da comunicação social para fazer fotografias, filmar e gravar uma audiência.

Segundo as Kilmuir Rules de 1987, em Inglaterra são os juízes que decidem se devem ou não falar em público. De qualquer modo, existem duas restrições ao trabalho dos jornalistas: o jornalista que assista a um julgamento pode apenas usar um bloco para tirar notas; e qualquer publicação pelos media, antes ou durante o julgamento, que possa ameaçar a bondade da decisão é considerada contempt of court (desrespeito pelo tribunal sujeito a punição).

Nos Estados Unidos, a Primeira e a Sexta Emenda são quase tão velhas como a República, havendo alguma experiência no equilíbrio entre a liberdade de expressão e o direito a um julgamento justo. Nos últimos anos a cobertura dos julgamentos pela comunicação social foi muito privilegiada. O caso O. J. Simpson dominou a cobertura jornalística entre 1987 e 1997, só sendo precedido pela primeira guerra do Golfo (ver ranking dos assuntos noticiados).

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* Sara Pina

Chefe do Gabinete de Imprensa da Procuradoria Geral da República. Assistente de Comunicação Social.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Notícias mais tratadas pelas televisões dos EUA

Link em nova janela Avaliação da importância dos assuntos propostos

Link em nova janela Prioridades para a intervenção na sociadade portuguesa

Link em nova janela Contactos com a justiça - casos em tribunal (em%)

Link em nova janela Frequência com que os portugueses ouvem rádio (em%)

Link em nova janela Frequência com que os portugueses vêem televisão (em%)

Link em nova janela Frequência com que os portugueses lêem jornais (em%)

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