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A Iniciativa de Genebra: repartir e cooperar

Marisa Abreu Safaneta *

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Em 12 de Outubro de 2003 é anunciada publicamente a conclusão das negociações do texto que viria a ser conhecido como Acordo de Genebra. Estas negociações, durante cerca de dois anos secretas, tomaram a designação de Iniciativa de Genebra e resultam do empenho de um jovem universitário suiço, Alexis Keller. Este, ao organizar uma conferência, em Outubro de 2001, com o tema “O que é a Paz Justa”, por ocasião do centenário da atribuição do prémio Nobel da Paz a Henry Dunant (fundador da Cruz Vermelha Internacional), conhece Yossi Beilin, ex-ministro da Justiça de Ehoud Barak e um dos oradores convidados para a conferência. Com ele, Keller inicia o processo que viria a dar origem à Iniciativa. Keller tinha a ambição de “organizar o oitavo dia das negociações de Taba”, ou seja, procurar reunir as condições necessárias para o retomar das negociações fracassadas de Janeiro de 2001, em Taba, no Egipto.

Estas negociações haviam sido uma iniciativa do presidente norte-americano Bill Clinton, que procurava assim quebrar o impasse gerado pelo insucesso das negociações de Camp David no Verão de 2000 e pelo início da segunda Intifada em Setembro desse mesmo ano. Convencido de que o momento não tinha sido o mais favorável para a conclusão de um acordo definitivo pela coincidência de inúmeros factores, entre os quais se destacavam a proximidade das eleições em Israel – marcadas para o mês seguinte – o período de pré-campanha eleitoral, o protagonismo crescente de Ariel Sharon, a violência galopante nos territórios ocupados e até mesmo o fim da administração Clinton, os quais jogavam contra o sucesso de qualquer processo negocial, Keller resolve avançar e desafia Beilin, ao que este terá respondido, após alguma hesitação, “allons-y, faisons-le”.

Beilin, um dos arquitectos do Processo de Oslo, era considerado o parceiro ideal para a tarefa, dado o seu afastamento da vida política activa enquanto membro do Knesset (Parlamento israelita) mas sobretudo dado o seu conhecido envolvimento em diferentes movimentos em prol da paz e do retomar das negociações com os representantes palestinianos. É justamente o ex-ministro israelita que associa à iniciativa Yasser Abed Rabbo, antigo ministro palestiniano considerado próximo de Arafat. Beilin e Abed Rabbo reuniram então um grupo de cerca de 40 pessoas entre políticos da oposição israelita, activistas de direitos humanos, bem como antigos ministros e personalidades palestinianas. Somente após meses de negociações secretas – que decorreram ainda sem apoio oficial do governo suíço, que apenas oferece a Keller um passaporte diplomático e com financiamento da fundação familiar gerida pelo pai de Keller – finalmente se chega a um projecto embrionário de acordo e se define o grupo de pessoas que irá prosseguir as negociações. Este projecto recebe o nome de código “The Book”. No início do ano de 2003 a nova ministra suíça dos Negócios Estrangeiros, Micheline Calmy-Rey, reavalia a Iniciativa e Keller obtém o desejado apoio político, logístico e fi nanceiro do governo suíço. Finalmente a 12 de Outubro o texto é concluído após um longo e difícil processo negocial.

 

O texto do Acordo

A assinatura formal do agora Acordo de Genebra ocorre a 4 de Novembro na cidade que lhe deu nome, por ocasião do aniversário da morte de Ytzhak Rabin. O entusiasmo em torno deste texto resulta essencialmente de dois factores: por um lado, o facto de ser o resultado de uma iniciativa da sociedade civil, reunindo israelitas e palestinianos e, por outro, o facto de se tratar de um texto definitivo excluindo reivindicações adicionais e que substituiria todos os acordos anteriores bem como todas as resoluções das Nações Unidas nesta matéria. No centro desta proposta figura uma importante concessão palestiniana quanto à “velha” questão do “Direito ao Retorno” de refugiados palestinianos para terras localizadas no Estado israelita. Em troca, Israel aceita a soberania palestiniana sobre o local sagrado do Monte do Templo ou Haram al-Sharif e compromete-se à retirada quase completa da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.

Esta proposta foi recebida com forte reprovação por parte do executivo israelita liderado por Ariel Sharon. No seu entendimento, a Iniciativa era duplamente condenável. Por um lado, tratava-se de um processo que havia decorrido à margem do governo israelita democraticamente eleito e, neste sentido, representava uma tentativa da oposição de esquerda para conduzir um processo negocial sem mandato popular para o efeito e à revelia do Knesset. Por outro lado, tratava-se de uma forma inaceitável de pressão sobre o seu governo, que procurava deste modo denegrir a imagem do executivo e do seu líder perante a opinião pública israelita e perante a comunidade internacional.

 

As fragilidades de uma mediação alternativa

Ainda assim, este é apenas um acordo simbólico que tem como objectivo principal o relançar das negociações de paz israelo-palestinianas bloqueadas desde há muito pela violência crescente e pela ausência de diálogo. E apesar dos nobres objectivos, este acordo não vincula nenhuma das partes envolvidas no conflito. Aliás, no momento em que se iniciavam as negociações deste texto na Jordânia, o Tsahal entrava violentamente no sul de Gaza em resposta a um aumento da violência nos territórios ocupados. Este documento resulta assim de uma espécie de diplomacia “freelancer” ou paralela promovida por alguns sectores palestinianos e da esquerda israelita.

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Uma iniciativa de oposições

Mas, na verdade, este acordo esconde objectivos políticos interessantes por parte dos que se associaram às negociações e que vão muito além do “simples” empenho na promoção da paz. Neste aspecto trata-se de uma espécie de Iniciativa “das Oposições”:

• Da oposição israelita de esquerda a um governo liderado pela direita, resultando numa espécie de campanha política da oposição para angariação de votos fora do período eleitoral, provocando a erosão e o descrédito do governo Sharon e aproveitando uma opinião pública israelita cansada de viver em permanente insegurança.

• Da oposição à liderança de Shimon Peres no Partido Trabalhista. Não podemos ignorar o silêncio enigmático de Peres sobre esta matéria. A tensão no seio do Partido Trabalhista entre os apoiantes e os críticos de uma coligação com a direita deixou marcas, ainda hoje bem visíveis, de fractura dentro do partido. Talvez por isso Yossi Beilin teve a seu lado Avram Mitzna e não Shimon Peres… A liderança de Shimon Peres parece ultrapassada por uma nova geração de homens de esquerda. A consequência óbvia é um partido fragmentado sem capacidade de se afirmar na vida política israelita. A iniciativa é da esquerda, não necessariamente do Partido Trabalhista. Exemplo deste facto foi sem dúvida a criação de um novo movimento político de esquerda liderado por Beilin. Denominado Sharar, que significa “aurora” em hebreu, este movimento pode muito bem representar a revitalização da esquerda israelita e do seu papel enquanto oposição a Ariel Sharon e à direita israelita. Papel este esgotado desde o Governo de Unidade Nacional liderado pela direita mas com a participação da esquerda.

• Da oposição à liderança de Yasser Arafat. Há aqui claramente dois actores a considerar: por um lado Ahmed Qorei, que poderá ter-se envolvido na iniciativa para ganhar a confiança dos palestinianos, bem como prestígio e protagonismo internacional, evitando assim que Arafat fosse o único interlocutor palestiniano para o processo de paz. E por outro lado, Arafat que, em resposta, se envolve na Iniciativa, embora não oficialmente, com o objectivo claro de apoiar o isolamento de A. Sharon perante a comunidade internacional e perante a opinião pública israelita. Arafat consegue ao mesmo tempo manter Qorei sobre controlo. Envolver-se nesta iniciativa significa para Arafat limpar a sua imagem fortemente prejudicada pela recusa das propostas israelitas em Camp David (2000) e pela eclosão da segunda intifada. Ressurge o Arafat parceiro para a paz que marcou os primeiros tempos do processo de paz na era Rabin. A confirmação da célebre expressão de Beilin “Oui, Israel a un partenaire pourla paix” parecia ser um dos objectivos de Arafat.

• Da oposição à liderança de Ahmed Qorei. Este papel tem sido desempenhado por Yasser Rabbo desde há algum tempo. Este, ao estar ao lado de Y. Beilin, incomodou Qorei e até Arafat inicialmente. A consequência foi o seu afastamento do gabinete de Qorei. A disputa Qorei-Rabbo pela sucessão a Arafat pode ser um dado interessante no futuro.

 

Informação Complementar

ASPECTOS MAIS RELEVANTES DO ACORDO DE GENEBRA

• Os palestinianos abdicam do Direito ao Retorno dos seus refugiados. Alguns refugiados permanecerão nos países de acolhimento, outros serão recebidos pela Autoridade Palestiniana, outros serão recebidos por países terceiros e alguns receberão compensações financeiras. Um número limitado receberá autorização para se estabelecer em Israel, mas tal não terá como significado a realização do Direito ao Retorno;

• Os palestinianos reconhecem Israel como o Estado do povo judeu;

• Israel retirará para as fronteiras de 1967 à excepção de alguns arranjos territoriais descritos no acordo;

• A cidade de Jerusalém será dividida. Os bairros árabes de Jerusalém Oriental tornar-se-ão parte do Estado palestiniano. Os bairros judeus de Jerusalém Oriental bem como os subúrbios de Givat Ze’ev, Ma’aleh Adumim e a parte histórica de Gush Etzion – com a excepção de Efrat – na Cisjordânia serão parte integrante do Estado israelita;

• O Monte do Templo ou Haram al-Sharif (o Nobre Santuário) será palestiniano, mas uma força internacional assegurará a liberdade de acesso a visitantes de todas as religiões. No entanto, não será permitido aos judeus rezar no local. Não serão permitidas também explorações arqueológicas na zona. O Muro ocidental ou das Lamentações permanecerá sob controlo israelita e a Esplanada das Mesquitas ficará sob supervisão internacional;

• Os colonatos de Ariel, Efrat e Har Homa serão parte integrante do Estado palestiniano. Adicionalmente Israel cederá partes do Neguev adjacentes a Gaza (não incluindo Halutza) aos palestinianos em troca de algumas zonas na Cisjordânia;

• Os palestinianos comprometem-se a lutar contra o terrorismo e a desarmar as milícias presentes no seu território. O Estado palestiniano será um Estado desmilitarizado e o controlo das fronteiras será assegurado por uma força internacional não israelita; Este acordo substituirá todas as anteriores resoluções das Nações Unidas, bem como todos os acordos celebrados até ao presente momento.

 

EXCERTO DO PREÂMBULO DO ACORDO DE GENEBRA

“O Estado de Israel e a Organização de Libertação da Palestina, representante do povo palestiniano: Reafirmando a sua determinação em encerrar décadas de confrontação e conflito, e em viver em convivência pacifica, dignidade e mútua segurança baseadas numa paz justa, duradoura e abrangente obtendo uma reconciliação histórica; Reconhecendo que após anos a viver com medo e insegurança, ambos os povos procuram entrar numa era de paz, segurança e estabilidade, desenvolvendo todas as acções para o efeito; Reconhecendo o direito de cada parte a uma existência pacífica e em segurança no seio de fronteiras seguras e reconhecidas, livres de ameaças ou actos de força; Concordam com o texto que se segue.”

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1 e 2 POUR, Afsané Bassir – “Ttois ans d’obstination et de negociations pour la réalisation du “pari fou” d’Alexis Keller.” Le Monde, 1 de Dezembro de 2003. http://www.lemonde.fr
3 BEILIN, Yossi – “Oui, Israel a un partenaire pour la paix”. Le Monde Diplomatique, Fevereiro de 2002, pp. 14-15, http://www.monde-diplomatique.fr

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* Marisa Abreu Safaneta

Licenciada em Relações Internacionais pela UAL. Mestre em Desenvolvimento e Cooperação Internacional pelo ISEG. Docente na UAL. Investigadora e membro do Conselho Directivo do Observatório de Relações Exteriores da UAL. Coordenadora do “Observatório de Conflitos” da UAL.

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Dados adicionais
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