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O que prevê a Constituição europeia sobre a PESC

Patrícia Galvão Teles *

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O Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa não é um tratado típico, nem uma constituição no sentido tradicional da palavra. O próprio carácter híbrido do documento que resultou dos trabalhos da Convenção Europeia, aprovado posteriormente pelos Chefes de Estado e de Governo dos membros da União, revela bem a natureza compromissória entre as tendências federalistas e de soberania que atravessam o projecto europeu.

Num momento em que ainda é incerto o futuro do documento que porventura – na sua actual forma ou revisto – irá governar a União Europeia, podem identificar-se as novidades trazidas em matéria da PESC e que, pela força das coisas, irão começar a, mesmo antes da sua entrada em vigor jurídica, “formatar” o pensamento e o funcionamento das instituições europeias e nacionais, sendo até concebível que alguns dos seus aspectos venham a ser postos em prática antecipadamente, caso a Constituição demore mais tempo a ser ratificada pelos Estados-membros da União Europeia.

 

Mutações e permanências em matéria de PESC

Como foi dito na edição do Público de 29 de Maio de 2005, os defensores da “revolução” que é o Tratado Constitucional têm uma frase-chave: “A partir de agora, a Europa passa a ter um número de telefone.”

Nessa mesma edição, adiantam-se três progressos que a Constituição trouxe (ou irá trazer) à União Europeia: um ministro, uma cláusula de solidariedade e talvez um corpo diplomático.

A criação do posto de ministro dos Negócios Estrangeiros da União, com o duplo chapéu de vice-presidente da Comissão e presidente do Conselho dos Negócios Estrangeiros, é vista como o grande trunfo do novo sistema, que se pretende mais coerente e eficaz. Para este efeito, o Ministro terá ao seu dispor um serviço diplomático, o Serviço de Acção Externa, que integrará funcionários do Conselho e das diplomacias nacionais.

Este ministro, nomeado pelo Conselho Europeu, conduzirá a PESC e também as outras relações externas da União, em matéria de comércio internacional ou de ajuda humanitária ou ao desenvolvimento. Presidindo ao Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros irá também representar a União internacionalmente, substituindo assim as actuais Presidências.

Mas a “revolução” não de limita apenas a estes aspectos. Uma das modificações também substanciais na Constituição é a demolição da estrutura jurídica dos pilares, em que a PESC constituía o segundo pilar, de carácter intergovernamental.

A Constituição unifica todas as políticas europeias num só texto, que antes estavam divididas entre o Tratado da Comunidade Europeia e o Tratado da União Europeia. A PESC, por sua vez, passa a estar integrada num título mais amplo, intitulado “Acção Externa da União”.

Mantém-se, no entanto, uma política independente e várias características do sistema dos pilares perduram, designadamente o seu carácter marcadamente intergovernamental, com preferência para a decisão por unanimidade. Nota-se, por exemplo, que se pela primeira vez se tenta inventariar e definir com rigor as categorias de competências da União (exclusivas e partilhadas), a PESC escapa a esta tentativa.

Para além do mais, apesar das novidades acima apontadas, as restantes disposições sobre a PESC, designadamente no Título V da Parte III, não se diferenciam muito dos textos anteriores. A PESC continua fora dos poderes legislativos da União, exercidos através de Parlamento Europeu e do Conselho. Esta política é implementada através de decisões, actos não legislativos, embora vinculativos.

O processo de decisão da PESC também não sofreu modificações substanciais, o que significa que o papel do Parlamento Europeu e da Comissão é menor do que o relativo a outras políticas da União. Por outro lado, continua a ter um significado particular o facto de a PESC não poder ser submetida a um controlo judicial, exercido pelo Tribunal de Justiça.

O âmbito e alcance precisos da PESC continuam a ser difíceis de descortinar, abrangendo a competência da União nesta matéria “todos os domínios da política externa, bem como todas as questões relativas à segurança da União, incluindo a definição gradual de uma política comum de defesa que poderá conduzir a uma defesa comum”. A esfera de actuação da PESC encontra-se assim definida com uma maior abertura, mas desapareceram os seus objectivos específicos que se discriminavam nos textos anteriores.

A Constituição não parece oferecer resposta a duas questões importantes e que só o tempo dirá como irão ser resolvidas, podendo constituir potenciais focos de tensão: como articular a PESC com a extensão das competências externas da União, por um lado, e, por outro, como articular a PESC com as políticas externas nacionais?

Por outro lado, se é certo que se verifica uma expansão da PESC na Constituição Europeia, esta continuará certamente uma política intergovernamental, praticamente fora de qualquer escrutínio parlamentar e judicial da União. Mais uma vez, o caminho foi um de compromisso, provavelmente do compromisso possível...

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Informação Complementar

PRINCIPAIS DISPOSIÇÕES DA CONSTITUIÇÃO EUROPEIA SOBRE A PESC

Parte I – Título III: Competências da União

Artigo I-16.° Política externa e de segurança comum

1. A competência da União em matéria de política externa e de segurança comum abrange todos os domínios da política externa, bem como todas as questões relativas à segurança da União, incluindo a definição gradual de uma política comum de defesa que poderá conduzir a uma defesa comum.

2. Os Estados-membros apoiam activamente e sem reservas a política externa e de segurança comum da União, num espírito de lealdade e de solidariedade mútua, e respeitam a acção da União neste domínio. Os Estados-membros abstêm-se de toda e qualquer acção contrária aos interesses da União ou susceptível de prejudicar a sua eficácia.

Parte I – Título IV: Instituições e Órgãos da União

Artigo I-24.° Formações do Conselho de Ministros

3. O Conselho dos Negócios Estrangeiros elabora a acção externa da União, de acordo com as linhas estratégicas fixadas pelo Conselho Europeu, e assegura a coerência da acção da União.

Artigo I-28.° ministro dos Negócios Estrangeiros da União

1. O Conselho Europeu, deliberando por maioria qualificada, com o acordo do Presidente da Comissão, nomeia o ministro dos Negócios Estrangeiros da União. O Conselho Europeu pode pôr termo ao seu mandato, de acordo com o mesmo procedimento.

2. O ministro dos Negócios Estrangeiros da União conduz a política externa e de segurança comum da União. Contribui, com as suas propostas, para a definição dessa política, executando-a na qualidade de mandatário do Conselho. Actua do mesmo modo no que se refere à política comum de segurança e defesa.

3. O ministro dos Negócios Estrangeiros da União preside ao Conselho dos Negócios Estrangeiros.

4. O ministro dos Negócios Estrangeiros da União é um dos Vice-Presidentes da Comissão. Assegura a coerência da acção externa da União. Cabem-lhe, no âmbito da Comissão, as responsabilidades que incumbem a esta instituição no domínio das relações externas, bem como a coordenação dos demais aspectos da acção externa da União. No exercício das suas responsabilidades ao nível da Comissão, e apenas em relação a essas responsabilidades, o ministro dos Negócios Estrangeiros da União fica sujeito aos processos que regem o funcionamento da Comissão, na medida em que tal seja compatível com os n. os 2 e 3.

Parte I – Título V: Exercício das Competências da União

Artigo I-40.° Disposições específicas relativas à política externa e de segurança comum

1. A União Europeia conduz uma política externa e de segurança comum baseada no desenvolvimento da solidariedade política mútua entre os Estados-membros, na identificação das questões de interesse geral e na realização de um grau de convergência crescente das acções dos Estados--membros.

2. O Conselho Europeu identifica os interesses estratégicos da União e define os objectivos da sua política externa e de segurança comum. O Conselho elabora essa política no quadro das orientações estratégicas estabelecidas pelo Conselho Europeu e em conformidade com a Parte III.

3. O Conselho Europeu e o Conselho adoptam as decisões europeias necessárias.

4. A política externa e de segurança comum é executada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros da União e pelos Estados-membros, utilizando os meios nacionais e os da União.

5. Os Estados-membros concertam-se no Conselho Europeu e no Conselho sobre todas as questões de política externa e de segurança que se revistam de interesse geral, a fim de definir uma abordagem comum. Antes de empreender qualquer acção no plano internacional ou de assumir qualquer compromisso que possa afectar os interesses da União, cada Estado-membro consulta os outros no Conselho Europeu ou no Conselho. Os Estados-membros asseguram, através da convergência das suas acções, que a União possa defender os seus interesses e os seus valores no plano internacional. Os Estados-membros são solidários entre si.

6. Em matéria de política externa e de segurança comum, o Conselho Europeu e o Conselho adoptam decisões europeias por unanimidade, com excepção dos casos previstos na Parte III. Pronunciam-se por iniciativa de um Estado-membro, sob proposta do ministro dos Negócios Estrangeiros da União ou sob proposta deste com o apoio da Comissão. Ficam excluídas as leis

e leis-quadro europeias.

7. O Conselho Europeu pode adoptar, por unanimidade, uma decisão europeia que determine que o Conselho delibere por maioria qualificada em casos não previstos na Parte III.

8. O Parlamento Europeu é regularmente consultado sobre os principais aspectos e as opções fundamentais da política externa e de segurança comum. É mantido ao corrente da sua evolução.

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Artigo I-43.° Cláusula de solidariedade

1. A União e os seus Estados-membros actuarão em conjunto, num espírito de solidariedade, se um Estado-membro for vítima de um ataque terrorista ou vítima de uma catástrofe natural ou de origem humana. A União mobiliza todos os instrumentos ao seu dispor, incluindo os meios militares disponibilizados pelos Estados-membros, para:

a)

— Prevenir a ameaça terrorista no território dos Estados-membros,

— proteger as instituições democráticas e a população civil de um eventual ataque terrorista,

— prestar assistência a um Estado-membro no seu território, a pedido das suas autoridades políticas, em caso de ataque terrorista;

b) Prestar assistência a um Estado-membro no seu território, a pedido das suas autoridades políticas, em caso de catástrofe natural ou de origem humana.

2. As regras de execução do presente artigo constam do artigo III-329.º.

Parte III – Título V: Acção Externa da União

Artigo III-292.°

1. A acção da União na cena internacional assenta nos princípios que presidiram à sua criação, desenvolvimento e alargamento, e que é seu objectivo promover em todo o mundo: democracia, Estado de Direito, universalidade e indivisibilidade dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, respeito pela dignidade humana, princípios da igualdade e solidariedade e respeito pelos princípios da Carta das Nações Unidas e do direito internacional.

A União procura desenvolver relações e constituir parcerias com os países terceiros e com as organizações internacionais, regionais ou mundiais que partilhem dos princípios enunciados no primeiro parágrafo. Promove soluções multilaterais para os problemas comuns, particularmente no âmbito das Nações Unidas.

2. A União define e prossegue políticas comuns e acções e diligencia no sentido de assegurar um elevado grau de cooperação em todos os domínios das relações internacionais, a fim de:

a) Salvaguardar os seus valores, interesses fundamentais, segurança, independência e integridade;

b) Consolidar e apoiar a democracia, o Estado de Direito, os direitos do Homem e os princípios do direito internacional;

c) Preservar a paz, prevenir conflitos e reforçar a segurança internacional, em conformidade com os objectivos e os princípios da Carta das Nações Unidas, com os princípios da Acta Final de Helsínquia e com os objectivos da Carta de Paris, incluindo os respeitantes às fronteiras externas;

d) Apoiar o desenvolvimento sustentável nos planos económico, social e ambiental dos países em desenvolvimento, tendo como principal objectivo erradicar a pobreza;

e) Incentivar a integração de todos os países na economia mundial, inclusivamente através da eliminação progressiva dos obstáculos ao comércio internacional;

f) Contribuir para o desenvolvimento de medidas internacionais para preservar e melhorar a qualidade do ambiente e a gestão sustentável dos recursos naturais à escala mundial, a fim de assegurar o desenvolvimento sustentável;

g) Prestar assistência a populações, países e regiões confrontados com catástrofes naturais ou de origem humana; e

h) Promover um sistema internacional baseado numa cooperação multilateral reforçada e uma boa governação ao nível mundial.

3. A União respeita os princípios e prossegue os objectivos enunciados nos n. os 1 e 2 no contexto da elaboração e execução da sua acção externa nos diferentes domínios abrangidos pelo presente Título, bem como das suas outras políticas nos seus aspectos externos.

A União vela pela coerência entre os diferentes domínios da sua acção externa e entre estes e as suas outras políticas. O Conselho e a Comissão, assistidos pelo ministro dos Negócios Estrangeiros da União, asseguram essa coerência e cooperam para o efeito.

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* Patrícia Galvão Teles

Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutorada em Direito Internacional Público pelo Institut Universitaire dês Hautes Études Internacionales da Universidade de Genebra (Suiça). Docente na UAL. Consultora do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Membro do Conselho Directivo do Observatório de Relações Exteriores da UAL.

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