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- JANUS 2009 -



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China-Japão: a luta pela hegemonia regional

Carlos Roberto *

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Foi com extrema preocupação que a China viu o Japão considerá-la, no Programa de Defesa 2005, como uma ameaça, a par da Coreia do Norte, e nessa base advogar o estreitamento da sua aliança com os Estados Unidos, o desenvolvimento de um programa de modernização dos mísseis balísticos, a sofisticação dos sistemas de radar e a reorganização das forças de autodefesa dotando-as de uma maior eficácia operacional.

Este facto foi entendido pelas autoridades chinesas como um sinal de que o Japão quer voltar a ter pretensões militares, designadamente interferindo num eventual conflito que a oponha ao regime de Taiwan ou em torno das ilhas Ryukyu e Senkaku (ilhas de Diaoyu para os chineses).

A questão central que se coloca neste âmbito tem a ver com a efectiva capacidade de a China constituir uma ameaça para a segurança do Japão e a esse nível tudo parece indicar o contrário, quer do ponto de vista da qualidade e capacidade das suas forças armadas, quer da definição de prioridades pelo poder central chinês que são, claramente, de índole diversa.

Com efeito, a liderança chinesa está consciente que a melhoria dos actuais níveis de prosperidade só são possíveis com a continuação da «construção da via do desenvolvimento pacífico», ou seja, pela renúncia a tentações belicistas, na esteira da sua tradição não beligerante de séculos.

Contudo, tal não impede que se venha a assistir, nos últimos anos, a uma escalada nas despesas militares com investimentos em novos sistemas de defesa e em novos meios ofensivos, tendo em 2006 a China ultrapassado, a este nível, o Japão pela primeira vez.

 

A vantagem diplomática: a política do sorriso para os vizinhos

A estratégia de emergência da China tem, também, tido expressão no plano diplomático desde a CLMV (Camboja, Laos, Myanmar e Vietname), passando pela criação da Organização de Cooperação de Xangai (China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Usbequistão) envolvendo os países da Eurásia, a ASEAN, até à recente Comunidade da Ásia Oriental (países ASEAN, Índia, Nova Zelândia, Austrália, China, Japão e Coreia do Sul e a Rússia com papel de observador). Em todas estas organizações se tem revelado o enorme esforço levado a cabo pela diplomacia chinesa, no sentido de alargar a sua influência política e económica, pese embora os permanentes contra ataques-diplomáticos encetados pelo Japão e os fundos por este injectados na cooperação e no desenvolvimento económico.

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O futuro

Numa perspectiva de futuro, as relações China–Japão serão sempre pautadas por um clima de alguma conflitualidade, atentos os ressentimentos passados e presentes
em torno de sequelas históricas, do contencioso de Taiwan, da delimitação de zonas económicas exclusivas (ZEE), do acesso aos mercados e aos recursos naturais que, por definição, são escassos.

O trabalho para alterar o sentido de pensamento das opiniões públicas de ambos os países encetado na sequência das recentes visitas aos dois países efectuadas ao mais alto nível é hercúleo e muito demorado e facilmente passível de regressões, fruto da forte cultura nacionalista existente na maioria dos países asiáticos.

À China interessa-lhe uma cada vez maior afirmação na arena internacional e, paulatinamente, ir ocupando a influência detida pelo Japão na Ásia, por forma a tornar-se na potência hegemónica no Sudeste Asiático e na Ásia Oriental.

Ainda que a crescente interdependência das duas economias nos leve a concluir que os anteriores antagonismos devem ser entendidos mais num plano retórico do que num de prossecução de iniciativas beligerantes, poder-se-á, contudo, admitir que a evolução da economia chinesa poderá, muito remotamente, potenciar eventuais tentações expansionistas ou de conflito extremo, ainda que não seja essa a sua tradição histórica.

Efectivamente, e pese embora o notório esforço de modernização das forças armadas chinesas, todos os estudos são unânimes em apontar para as sérias debilidades em termos de I&D, qualidade de equipamento e de recursos humanos pelo que só no longo prazo se poderá verificar uma alteração no conceito estratégico de defesa, que hoje apenas assenta na salvaguarda da sua soberania e num maior protagonismo na defesa das rotas de abastecimento, mas em nada comparável aos meios utilizáveis por outras superpotências e potências.

Nesta perspectiva, é de todo conveniente para a China esbater tensões militares, confinando-as, caso ocorram, a aspectos que se encontram sustentados no princípio de «Uma Só China» e apostar fortemente na promoção de relações estáveis com os seus vizinhos, nos quais o Japão se inclui.

Consciente das suas fragilidades militares, a China tenderá a impor-se por vias distintas: comércio mundial, dimensão humana e diplomacia directa e em organizações internacionais.

A publicação pelo Gabinete de Informação do Conselho de Estado em vinte e dois de Dezembro de 2005 do documento «Via para o Desenvolvimento Pacífico» realça, de forma exaustiva e sistemática, a visão que as autoridades chinesas têm da sua sociedade e dos desafios que se colocam à China nos planos interno e internacional, bem como as metas que pretendem atingir.

Um quadro de harmonia e mútuo interesse entre a China e os seus vizinhos é tido como condição necessária para salvaguardar o seu crescimento sustentado e possibilitar a introdução gradual de reformas estruturais, por forma a transformá-la numa sociedade moderna.

Para tal é-lhe favorável a localização geográfica (faz fronteira com vinte países), a dimensão humana e a ausência na sua história de conflitos bélicos significativos em que tenha assumido o papel de agressor, ao contrário do Japão, cujo expansionismo militarista, saldado em milhões de mortes, deixou feridas e ódios latentes na região.

Para as autoridades japonesas, a visão de longo prazo é que a China, tendo já ultrapassado o estádio de desenvolvimento intermédio, irá transformar-se na superpotência do continente asiático com acesso à produção e consumo de bens sofisticados, importando agir por forma a reduzir a dimensão da sua hegemonia.

As recentes iniciativas, junto da Índia, de promoção do investimento e da redução das barreiras aduaneiras entre ambos os países são uma tentativa de relativizar o peso da China na economia japonesa.

Contudo, o Japão não pode desenvolver iniciativas que produzam mal-estar e que façam crescer contra si o ressentimento chinês dado a sua economia beneficiar com o crescimento acelerado da economia chinesa e com o consequente aparecimento de uma classe média com acesso a sofisticados bens de consumo duradouros.

O eclodir de um conflito entre a China e o Japão que significasse o recurso a soluções bélicas criaria um clima de instabilidade mundial sem precedentes e colocaria
em perigo o futuro dos dois países pelo que se considera inviável a sua ocorrência, dado que o que ambos têm a perder é muito superior ao que daí poderão vir a beneficiar.

O tempo parece correr a favor da China, que é exímia em geri-lo eficazmente, pelo que cabe ao Japão ir-se adaptando à nova realidade com pragmatismo e sabedoria, dois dos aspectos que sempre caracterizaram as culturas orientais!

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Informação Complementar

O Japão e a China face à crise económica mundial

Após ter redigido este texto, em Junho passado, muitos factos ocorreram na arena internacional merecedores de reflexão. A denominada crise da subprime nos Estados Unidos da América deu lugar a uma crise dos mercados financeiros e, posteriormente, a uma crise económica internacional que pode pôr em risco o seu funcionamento sistémico.

Se a globalização permitiu uma integração de mercados e a «democratização» no acesso à economia mundial, fazendo emergir novos players, revela hoje o seu reverso ao mostrar o quanto estamos frágeis perante as interdependências que se criaram nas últimas décadas.

Seguramente iremos atravessar momentos de grande conturbação, com redução do ritmo de criação de riqueza e com uma penúria de liquidez financeira para alavancar a economia, havendo fortes tendências para a adopção de medidas que promovam o investimento público, mas também o proteccionismo dos agentes económicos locais em detrimento das trocas internacionais.

Ultrapassadas as fases mais críticas de ruptura, todos os sistemas tendem a reajustar-se e a encontrar o ponto de equilíbrio.

A História demonstra-nos que uma nova realidade/paradigma tem sempre por detrás ganhadores e perdedores e que as novas lideranças são forjadas e emergem na sequência de períodos conturbados.

Os países emergentes como a China ou os sofisticadamente evoluídos como o Japão estão numa mesma encruzilhada perante a crise dado o seu grau de exposição enquanto países exportadores, havendo todo o interesse em concertar estratégias.

Os dados disponíveis apontam para que a recessão económica internacional tenha consequências mais agudas no caso do Japão, com uma previsão de crescimento negativo de 0,5%, em 2009, do que na China, onde se prevê um abrandamento do ritmo de crescimento para 8,5%.

As posições tomadas pelos governantes do Japão na cimeira do G20+2, em Washington, de procurar soluções trilaterais envolvendo a China e a Coreia do Sul e propondo ainda para este mês um workshop para promover a Estabilização Macroeconómica da Ásia Oriental são expressões, por um lado, da necessidade de se procurar uma concertação de posições que minimize o impacto da recessão económica e, por outro, da tentativa de aproveitamento do actual «momentum» para se equacionarem vias que assegurem a prazo um reforço do seu protagonismo à escala mundial.

Quer a China quer o Japão dispõem de elevadas reservas em divisas amealhadas ao longo de anos de saldos comerciais positivos e, no caso chinês, a crise dos mercados financeiros internacionais não se está a fazer sentir com a mesma gravidade do que nos países das economias desenvolvidas visto o seu sistema financeiro e cambial, com excepção de Hong Kong, não se regular por regras de mercado mas sim por decisões administrativas ditadas pelo governo em Pequim.

Este facto aliado ao espaço de progressão que ainda é possível percorrer no plano interno em matéria de melhoria do bem-estar e da qualidade de vida da população dão uma razoável margem de manobra às autoridades chinesas para reinverterem as prioridades da política económica e poder-se-á revelar uma enorme oportunidade para promover um desenvolvimento que ajude a diminuir muitas das assimetrias e danos que o actual modelo de crescimento gerou, designadamente na distribuição do rendimento entre os campos e as cidades e na galopante degradação do meio ambiente.

A recente aprovação pelo governo chinês de um plano de 4.000 milhões de yuans (usd 586 mil milhões) para estimular a economia abrangendo dez áreas – infraestruturas rurais; projectos de infraestruturas de transportes, assistência médica, habitação a baixo preço, educação, protecção ambiental, inovação tecnológica e desastres/catástrofes – é um importante contributo para a referida alteração de prioridades nas variáveis económicas que sustentam o crescimento da economia chinesa.

A construção de novas redes ferroviárias em 2009 (10.000 km) além das já anteriormente previstas no 11.º Plano Quinquenal 2006-2010 (20.000 km) são um significativo estímulo à actividade económica pelo efeito que produz no curto prazo ao nível do emprego e dos bens transaccionáveis.

Com efeito, esta medida de construção adicional de novas redes ferroviárias consumirá 20 milhões de toneladas de aço, 120 milhões de toneladas de cimento e gerará 6 milhões de empregos, contribuindo com 1,5% para a taxa de crescimento do PIB, mas constituirá, seguramente, uma enorme oportunidade para as empresas japonesas aprofundarem os seus negócios na China, conhecendo-se a enorme capacidade de que dispõem na área dos transportes ferroviários e na concepção de infraestruturas.

Como referimos anteriormente, a crise económica e a incerteza por esta gerada quanto à evolução do sistema económico no curto/médio prazo tenderá a aproximar os dois países em vez de os afastar e imprimirá um grande impulso às estratégias de integração económica podendo vir a servir de base a uma mudança de paradigma no relacionamento entre eles.

Não se exclui a hipótese de esta crise vir a fazer emergir um novo bloco dominante à escala mundial – o bloco asiático – tudo dependendo da capacidade de concertação de interesses que se consiga atingir.

Como se referiu no artigo anterior, até hoje, a realidade asiática foi pautada por uma enorme rivalidade entre os principais países e por um jogo de alianças com os Estados Unidos por forma a que as soberanias nacionais estivessem a salvo de eventuais ameaças regionais.

O que o futuro nos poderá reservar é o aprofundar das vantagens e interesses em desenvolver estratégias de estabilização macroeconómica do continente asiático que o impulsionem para a liderança. Será que os ressentimentos e as desconfianças do passado o permitirão?

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* Carlos Roberto

Economista. Consultor na Unidade Internacional dos CTT SA. Assistente convidado no Instituto Superior e Economia e Gestão (ISEG) da Universidade Técnica de Lisboa (1991/1997). Técnico Assessor no Governo de Macau (1997-1999). Colabora com a Escola de Gestão & Negócios da Universidade Autónoma de Lisboa.

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